31 janeiro 2005
Os meus melhores amigos são alliens!
Frú-Frú
OS MEUS MELHORES AMIGOS SÃO ALLIENS
(excerto do conto)
É a mais pura verdade e só a descobri hoje. Por alturas do lanche.
A minha mãe veio visitar-me e estávamos na sala, lanchando, quando esta descoberta me atingiu, fulminante como um raio, entre duas dentadas na torrada, crocante, como só ela sabe fazer.
A mãe falava e eu ouvia-a, deliciada, matando as saudades da sua voz e do seu jeito tão peculiar de discorrer sobre as coisas; as memórias, acontecimentos passados e recentes.
Falava ela então da cadela Batalha, depois de já ter falado do gato Pimpolho e de como este ouvia, e reconhecia o assobio de meu pai a uns três quilómetros, plantando-se, desde logo, à porta de casa vindo não se sabia de onde, esperando-o.
Lembrava, na sua voz suave e pausada, o dia em que a cadela fora salva de ser abatida por meu pai, numa visita ao Monte dos Galhardos.
Queixava-se o bom do homem que já tivera que pagar indemnizações e tratamentos hospitalares porque quando o pessoal andava nas mondas, ou ceifas, mandavam uma mulher com “enfusas[C.E1] ” pedir água do poço, que cedia de bom grado, mas o diacho da cadela não podia ver as mulheres e atacava-as, sendo que se lhe não deitassem a mão as esfacelava. Assim sendo, dera ele ordens ao maioral para a abater.
[C.E1]Designação popular no Alentejo para as bilhas de barro.
TMara
29 janeiro 2005
Como as mulheres são vistas e acabam por se ver....
Aos 3 anos ela olha para si mesma e vê uma rainha.
Aos 8 anos ela olha para si mesma e vê a Cinderela.
Aos 15 anos ela olha para si mesma, vê uma bruxa e diz: "mãe, não posso ir assim para a escola!!!"
Aos 20 anos ela olha para si mesma e vê-se muito gorda/muito magra, muito alta/muito baixa, com cabelo muito liso/muito encaracolado, mas decide que vai sair assim mesmo...
Aos 30 anos ela olha para si mesma e vê-se muito gorda/muito magra, muito alta/muito baixa, com cabelo muito liso/muito encaracolado, mas decide
que agora não há tempo para consertar essas coisas. Então, sai assim mesmo.
Aos 40 anos ela olha para si mesma e vê-se muito gorda/muito magra, muito alta/muito baixa, com cabelo muito liso/muito encaracolado, mas diz: "sou
uma boa pessoa" e sai mesmo assim...
Aos 50 anos ela olha para si mesma e vê-se como é. Sai e vai para onde ela bem entender...
Aos 60 anos ela olha para si mesma, sai de casa e conquista o mundo....
Aos 70 anos ela olha para si mesma e vê sabedoria, risos, habilidades...sai para o mundo e aproveita a vida...
Aos 80 anos ela não se importa muito em olhar para si mesma. Simplesmente põe um chapéu violeta e vai se divertir com a vida...
TMara
28 janeiro 2005
As Tágides
Traziam, outrora, as tágides,
inspiração aos poetas,
brilho de fósforo aos olhos das mulheres,
sal saturado de vento aos barcos na espuma,
a música do canto à gente ribeirinha,
sumida de saudade,
espavorida de dores.
Traziam, outrora, as tágides,
as marés, o mar e a lua,
o rolo das vagas,
as insónias lentas nas noites
em que o verão incendiava
ou a prateada chuva forjava, nas vielas,
fantasmas futuros do fado.
O rio corria azul (ou seria verde?)
As casas nasciam da pedra (ou seriam de água?)
A fala dos homens confundia-se
com o rocegar das gaivotas (ou seriam nuvens?).
Nos becos, os muros dividiam as colinas
e, com a sua lentidão,
as cores iam formando a substância das árvores
e eram os perfumes do ar
o sabor de aventuras ou dos metais,
o equilíbrio das vozes, rápidas e densas
que, dentro das casas,
amavam, choravam e transformavam o fogo e a pedra,
a cal e a mansa madeira,
o cereal em pão, a fuligem em barro,
o zinco em lâmina, as lágrimas em fulgor,
o linho em eternidade.
Seria Lisboa essa cidade de tágides e ninfas
na imaginação do sonho?
Seria Lisboa essa cidade fábrica de rumores,
de cheiros, de claridade branca?
Seria Lisboa, sobre lo mar,
a que barcas novas mandava lavrar?
Seria Lisboa essa memória da emoção das gentes
com o marulhar das águas ...
... ou será Lisboa esta efémera hora matinal
em que a maresia morre
no volume que as pedras erguem,
na bruma dos fumos sem luz,
no choro aflito de uma criança
frágil como um vidro,
na escuridão dos jardins,
nas rugas velhas das águas do rio,
no definhar das árvores,
na vozearia do insustentável peso dos odores,
no coração ausente ou no tropel dos ruídos?
Que trazem hoje as tágides aos sinos inaudíveis,
aos gatos errantes,
aos cais de restos,
às ruas de chão brusco,
às estátuas cínzeas?
Fiéis à sua cidade amada,
trazem as tágides a Lisboa a carícia fulgurante
da sua inexplicável luz.
Loura é Lisboa quando a primavera explode.
Este capítulo faz parte integrante da obra de Orlando Neves "Odes a Lisboa"
(Uma Tágide) Venus por C Burne-Jones
TMara
27 janeiro 2005
A VOZ
Esta é a minha fala, esta sou eu que falo, esta é a voz que ouço (creio ser a minha) e que me diz de mim. Quem sou, do que gosto, o que sonho, o que me magoa. Esta é a voz que me fala da que sou, para além da visão que as outras pessoas possam ter de mim. A que me fala de um secreto eu, meu e eu, somente por mim conhecido porque a voz me fala, e falando me constrói, porque, lembro de a minha mãe ler um livro bonito e ao mesmo tempo assustador em que dizia: “No princípio era o Verbo.”E como esta frase sempre me encantou, me pareceu uma forma mágica um dia perguntei: “Mãe, o que quer dizer?”Respondendo-me ela que se referia ao começo do mundo e da vida e que nesse começo, a palavra, que era o que verbo, queria dizer é que tinha o poder de fazer as coisas acontecerem (como o mágico fazia no circo, pensei eu e guardei esta ideia de belo e mágico através do poder da palavra e foi por isso que quando comecei a ouvir a voz, na minha cabeça, a ter longas conversas comigo não o disse a ninguém, guardei o segredo e a voz só para mim com medo de que o encantamento se quebrasse se o contasse a alguém e eu deixasse de ser real).Duvidam?A minha avó Deolinda, mãe da minha mãe, contava-me muitas histórias do tempo das princesas, em que as fadas e as bruxas faziam acontecer coisas estranhas. Bem mais estranhas do que a de eu desaparecer se contasse aos outros da existência da voz e de a minha vida depender de ela continuar a falar comigo.
TMara
25 janeiro 2005
O país ficou ontem mais pobre!
Não era muito conhecido do chamado "grande público".
Trabalhava como a formiga e, como a cigarra, cantava a língua portuguesa no sossego da sua casa. Chama(va)-se Orlando Neves, o amigo que partiu.
Jornalista, homem de letras (poesia, prosa, crónica) engajado com o teatro, a cidadania e a política. Cansou-se, ou desencantou-se! Vivia como um eremita admitindo poucos no recesso do lar.
É hoje largamente desconhecido, por esquecimento de quem de direito, mas, verdade se diga, também por opção sua, dado que o país tem a tendência a esquecer os que não aparecem, confundindo a escrita/a obra com o homem e a sua vida.
Trabalhava a palavra como quem respira, Um exercício diário.
De um pequeno livro: "MORTE MINUCIOSA", de 1996, deixo-vos um poema :
1994
Os retratos que olho.
Eis a serenidade
da dor, semelhante
ao sono. Que longe estou
dessas fontes donde
vinham o medo e o riso.
Deles é o tempo,
apenas o tempo,
que me olha.
Verdadeiramente vivos,
com a ciência certa
que lhes vem
da falsa imobilidade.
Aqui estou eu,
esperando
que a luz vos dissipe,
para me conter na memória
e entrar, cauteloso,
na vossa enigmática
pacificação.
Prometo-vos o silêncio,
o sangue do coração,
como um doce estremecimento.
Porque merecemos a morte.
Sem o freio do sonho.
(63:64)
A violência doméstica e...nós...
Recordo factos da minha infância em que a posse se estendia não só à cônjuge mas às outras mulheres da família – irmãs e mãe – se estas tivessem o “azar” de enviuvarem ou de ficar solteiras, e que se expressava através das mais abjectas formas de dominação e exploração que possamos imaginar as quais, sendo socialmente aceites, eram recobertas com um manto de silêncio.
Era frequente mulheres solteiras nunca virem a casar porque, a cargo dos irmãos, estes as mantinham em clausura, dentro das próprias casas, não saindo, não convivendo, não tendo hipótese de verem serem vistas, conhecerem e serem conhecidas.De casos mais extremos soube em que, com cumplicidades várias foram asiladas como loucas.
E falo de situações de que tive conhecimento ainda não há meia centena de anos atrás. Estas mulheres não detinham quaisquer direitos e, socialmente, um enorme manto de hipocrisia, em nome dos bons costumes, recobria todas estas acções.
A razão de ser prendia-se com factores de ganância. Não casando elas os bens continuavam a ser administrados pelos irmãos, que nunca prestavam contas e que, mais cedo ou mais tarde, acabavam por os anexar ao seu património.Esta a violência que desde muito criança apercebi no meio da burguesia.
A outra, a dos “pobrezinhos”, essa tinha expressões mais físicas.Entre uma e outra venha o diabo e escolha.A cultura recobre todos estes aspectos e há sempre um ditado popular adequado a cada situação e momento. Até ao ponto de baralhar e fazer confundir, afecto com violência: “ se lhe bate é porque gosta dela”.
Até as mulheres interiorizaram estas mentiras. Era fácil. Tem sido fácil.Foi difícil passar-se a considerar o crime de violência doméstica/ familiar como crime quando à luz do código penal sempre foi crime agredir terceiros.Com resistências e com a influência das políticas da U.E Portugal teve que se passar a considerar a violência doméstica como um crime de natureza pública.As relações entre homens e mulheres mudaram a uma velocidade astronómica, em Portugal, considerando o terreno que havia a recuperar.As e os jovens de hoje foram criadas (os) dentro de modelos de convivência, de igualdade e de respeito que nos levam a pensar que muito caminho se desbravou e que a conquista, no campo dos direitos entre géneros seria um espaço, suficientemente claro para cada um se posicionar sem pisar o outro género.
Há um par de anos houve um surto de homicídios, muito destacados nos noticiários televisivos. Numa dessas situações, a repórter de serviço, frente à casa onde o marido tinha morto a mulher a tiro, circulava inquirindo os vizinhos. Eis que ouvi, da boca dessa jovem, esta pergunta:“ O que é que ela (a vítima) fez ao marido?”
24 janeiro 2005
Portugal visto por Eça...
"O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado comoum inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: o país está perdido!"
Eça de Queirós , 1871
23 janeiro 2005
Prendinha para esta domingo :)
by Michael Mack
In that forgotten part of town
He sat alone for hours on end,
And how his journeys in romance
With patience that would rival saints,
Senility increased with time
22 janeiro 2005
Com o título: «RISCO DE "MORTE SOCIAL"»
As conclusões divulgadas indicam que foram categorizados seis(6) grupos de concelhos com diferenciadas situações-tipo de inclusão/exclusão social.
O "tipo 6" é o que apresenta maiores traços de exclusão social sendo referido que,"(...) de positivo pouco mais têm que uma taxa de criminalidade pequena(...)".
É neste tipo que estão incluídos 68 (cerca de 1/4) dos concelhos, situados nas regiões de: Trás-os-Montes; Dão-Lafões e Baixo Alentejo.
As características indicadoras da "morte social", em consequência da esclusão, passam por: excessiva ruralidade com peso relevante do trabalho agrícola; défice de infra-estruturas; taxa de analfabetismo na ordem dos 17,26%; alta taxa de desemprego (em 26 concelhos é superior a 10%); apresentam os piores valores do IRS, "per capita".
O estudo conclue ainda que este território, habitado por 7,8% da população portuguesa, " (...) está deprimido, empobrecido e desqualificado".
De acordo com a notícia o relatório está disponível no site do ministério em: «».
Certo é que à hora em que coloco esta informação no blog ainda lá se não encontra.
Vale a pena procurar o relatório e fazer uma leitura atenta, para melhor percebermos o atraso, bem como o risco, em que o país se encontra.
20 janeiro 2005
Última parte
Fernando Guimarães
E a: AS QUATRO IDADES
(ÚLTIMA PARTE)
Lendo o livro Marta descobriu um outro mundo. Um mundo real que nós não vemos. Percebemos isso pela serenidade que dela emana. Uma paz que flúi e transporta uma imensa alegria.
É tudo isso que nos atinge e nos faz invejar Marta. E se fôssemos lá e lhe tirássemos o livro...? Ainda que por um breve instante....
Talvez o livro também nos quisesse ler e permitisse ter acesso a esse mundo tão serenamente real e encantatório que vislumbramos.
Eis que Marta volta ao livro. Não, o livro é que sobe, lentamente, até Marta, até se lhe adaptar à posição reclinada da cabeça, para que se possam ler.
Não sabemos como, não sabemos traduzir esse facto, mas sabemos que, enquanto os olhos de Marta lêem, as palavras escritas, é o livro que continua a ler Marta. As palavras mero veículo da sua voz. E aquele diálogo continua, ali, bem à nossa frente. Tentamos aproximarmo-nos, queremos entrar naquele diálogo, mas a bolha-universo que a envolve e que se expande, pulsante, não deixa.
Aquele espaço não nos pertence, diz-nos.
Sem hostilidade, mas sem dúvidas ou hesitações.
Que só queremos ver a capa..., o nome do livro, dizemos nós...
Que a capa e o título nada nos diriam.
O livro que nos lê não é o mesmo.
Cada um tem o seu.
Como toda a vida é uma busca contínua, se o quisermos verdadeiramente, temos que continuar a ler, a procurar....
Cedemos. A contra gosto, porque queríamos compartilhar daquela bem-aventurança, mas sabemos que o livro nos fala assisadamente e não lhe podemos fechar os ouvidos.
Marta fascina-nos. Não sabemos ao que fomos nem porque nos encontramos ali, naquele Centro, defronte de Marta.
Sabemos, no entanto, que, enquanto Marta permanecer, não teremos qualquer outro objectivo na vida.
Nem memórias.
Só aquele momento interessa. Só ele é real.
Só aquele momento é passado, presente e futuro.
Por TMara. In: FALAR MULHER (89-90-91)
19 janeiro 2005
Continuação do post do passado Sáb, dia 15
18 janeiro 2005
Gaivotas
Três gaivotas
no telhado: três
gotas de água
salgada
na maresia
da tarde. Ou antes:
três dálias brancas
florindo
no musgo verde
das telhas.
Albano Martins(1998).”O Espaço Partilhado:31
17 janeiro 2005
Bush "INVASOR"
REVOLTAR-SE, IMPOR SANÇÕES E O QUE MAIS FOR NECESSÁRIO PARA PARAR ESTA ESCALADA DE VIOLÊNCIA?
P.S - NÃO DEIXEM DE LER O POST ABAIXO.É POR UMA BOA CAUSA :)
16 janeiro 2005
APELO PARA A HUMANIDADE
Desculpem a inépcia.
Não consigo colocar o endereço em html. PASSEM O TEXTO E A PALAVRA!
BEM HAJAM, POR ISSO!
"Tivemos a tristeza de ver recentemente o Tsunami, causando uma grande destruição e vitimando um número inconcebível de pessoas em sete países da Ásia. Sabemos que esse tipo de facto é um acontecimento natural, porém havemos de analisar e acrescentar que a intensidade desse tsunami mostra-nos claramente que o desequilíbrio ambiental é, incontestavelmente, potencializador de forças naturais deste porte. Cabe a nós, definitivamente, uma reflexão séria sobre o assunto e buscarmos maneiras mais correctas de lidarmos com o espaço que vivemos, para que não sejamos nós os responsáveis por catástrofes desta natureza.Nós blogueiros, propomos desde já, unirmo-nos em um alerta para a humanidade, e implantarmos cada um de nós, a nosso modo e em nosso ambiente, medidas práticas de mudanças!É tempo de se falar abertamente. É tempo de se abordarem as questões em profundidade e não de forma restritiva. É tempo enfim, de se falar a sério sobre a questão ambiental e ecológica. Sobre a humanidade!E com razão. É que cada vez mais se toma consciência de que o combate pela preservação, não tem fronteiras, não é regionalizável e de que a resposta ou é global ou não será resposta.As chuvas ácidas, o efeito de estufa, a poluição dos rios e dos mares, a destruição das florestas, não têm azimute nem pátria, nem região. Ou se combatem a nível global ou ninguém se exime dos seus efeitos.As pessoas ainda respiram. Mas por quanto tempo?Os desertos ainda deixam que reverdejem alguns espaços estuantes de vida. Mas vão avançando sempre.Ainda há manchas florestais não decepadas nem ardidas. Mas é cada vez mais grave o deficit florestal.Ainda há saldos de crude por extrair, de urânio e cobre por desenterrar, de carvão e ferro para alimentar as grandes metalurgias do mundo. Mas à custa de sucessivas reduções de reservas naturais não renováveis.Na sua singeleza, o caso é este:Até agora temos assistido a um modelo de desenvolvimento que resolve as suas crises crescendo cada vez mais. Só que quanto mais se consome, mais apelo se faz à delapidação de recursos naturais finitos e não renováveis, o que vale por dizer que não é essa uma solução durável, mas ela mesma finita em si e no tempo que dura. Por outras palavras: é ela mesmo uma solução a prazo.Significa isto que, ou arrepiamos caminho, ou a vida sobre a terra está condenada a durar apenas o que durar o consumo dos recursos naturais de que depende.Não nos iludamos. A ciência não contém todas as respostas. Antes é portadora das mais dramáticas apreensões.O que há de novo e preocupante nos dias de hoje, é um modelo de desenvolvimento meramente crescimentista – pior do que isso, cegamente crescimentista – que gasta o capital finito de preciosos recursos naturais não renováveis, que de relativamente escassos tendem a sê-lo absolutamente. E se podemos continuar a viver sem urânio, sem ferro, sem carvão e sem petróleo, não subsistiremos sem ar e sem água, para não ir além dos exemplos mais frisantes.Daí a necessidade absoluta de uma resposta global. Tão só esta necessidade de globalização das respostas, dá-nos a real dimensão do problema e a medida das dificuldades das soluções. Lêem-se o Tratado de Roma, O Acto Único Europeu e mais recentemente as conclusões da Conferência de Quioto, do Rio de Janeiro e Joanesburgo, onde ficou bem patente a relutância dos países mais industrializados, particularmente dos Estados Unidos, em aceitar a redução do nível de emissões. Regista-se a falta de empenhamento ecológico e ambiental das comunidades internacionais e dos respectivos governos, que persistem nas teses neoliberais onde uma economia cega desumanizada e sem rosto acabará por nos conduzir para um beco sem saída.Por outro lado todos temos sido incapazes de uma visão mais ampla e intemporal. Se houver ar puro até ao fim dos nossos dias, quem vier depois que se cuide!... e continuamos alegremente a esbanjar a água do cantil.Será que o empresário que projectou a fábrica está psicológica ou culturalmente preparado para aceitar sem sofismas nem reservas as conclusões de uma avaliação séria do respectivo impacto ambiental?Mesmo sem sacrificar os padrões de crescimento perverso a que temos ligados os nossos hábitos, há medidas a tomar que não se tomam, como por exemplo:
Levar até ao limite do seu relativo potencial o uso da energia solar e da energia eólica.
Levar até ao limite a preferência da energia hidráulica sobre a energia térmica.
Regressar à preferência dos adubos orgânicos sobre os adubos químicos.
Corrigir o excessivo uso dos pesticidas.
Travar enquanto é tempo a fúria do descartável, da embalagem de plástico, dos artigos de intencional duração.
Regressar ao domínio do transporte ferroviário sobre o rodoviário.
Repensar a dimensão irracional do transporte urbano em geral e do automóvel em particular.
Repensar, aliás, a loucura em que se está tornando o próprio fenómeno do urbanismo.
Reformular a concepção das cidades e das orlas costeirasDito de outro modo: a moda política tende a ser, um constante apelo às terapêuticas de crescimento pelo crescimento. È tarde demais para desconhecermos que, quando a produção cresce, as reservas naturais diminuem.Há porém um fenómeno que nem sempre se associa ás preocupações da humanidade. Refiro-me à explosão demográfica.Com mais ou menos rigor matemático, é sabido que a população cresce em progressão geométrica e os alimentos em progressão aritmética. Assim, em menos de meio século, a população do globo cresceu duas vezes e meia !...Nos últimos dez anos, crescemos mil milhões!... Sem grande esforço mental, compreendemos aonde nos levará esta situação.Se é de um homem mais sensato e responsável que se precisa, um homem que olhe amorosamente para este belo planeta que recebeu em excelentes condições de conservação e está metodicamente destruindo; de um homem que jure a si mesmo em cadeia com os seus semelhantes, fazer o que for preciso para que o ar permaneça respirável, que a água seja instrumento de vida e dela portadora, e os equilíbrios naturais retomem o ciclo da auto sustentação, empenhemo-nos desde já nessa tarefa, com persistência e determinação.Se é a continuação da vida sobre a terra que está em causa, e em segunda linha a qualidade de vida, para quê perder mais tempo?...Por isso apelamos a todos quantos se queiram associar a este movimento pela preservação Natureza, pela Paz e pelo desenvolvimento harmonioso da Humanidade, para subscreverem este Apelo.Ao fazê-lo estamos a afirmar a nossa cidadania, enquanto pessoas livres, que olham com preocupação o futuro da Humanidade, o futuro dos nossos filhos!
Lista de Subscritores
Idiomas
posted by Fernando B. at 1:00 PM "
FLORIDOS CAMPOS
Há pouco tempo, estava no aeroporto e vi mãe e filha despedindo-se.
Anunciaram a partida, elas abraçaram-se e disse a mãe: -Eu amo-te filha. Desejo-te o suficiente.
A filha respondeu: Mãe, nossas vidas juntas tem sido mais do que suficiente.
O seu amor é Tudo o que sempre precisei. Eu também lhe desejo o suficiente.
Elas beijaram-se e a filha partiu. A mãe passou por mim e encostou-se na parede.
Pude ver o que ela queria e precisava chorar. Tentei não me intrometer nesse momento, mas ela dirigiu-se a mim, e perguntou: Você já se despediu de alguém sabendo que seria para sempre?
Já, respondi. Minha senhora, desculpe-me pela pergunta, mas por que é que foi um adeus para sempre?
Estou velha e ela vive tão longe daqui. Tenho desafios à minha frente e a verdade é que a próxima viagem dela para cá será para o meu funeral.
Quando se estavam a despedir, ouvi-a dizer: "Desejo-te o suficiente".
Posso saber o que é que isso significa?
Ela começou a sorrir. É um desejo que tem sido passado de geração em geração na minha família.
Meus pais costumavam dizer isso para toda a gente. Ela parou por um instante e olhou para o alto como se estivesse a tentar lembrar-se dos detalhes e sorriu mais ainda.
Quando dizemos "Desejo-te o suficiente", estamos a desejar uma vida cheia de coisas boas o suficiente para que a pessoa se ampare nelas. Então, virando-se para mim, disse, como se estivesse recitando: Desejo-lhe sol o suficiente para que continue a ter essa atitude radiante. Desejo-lhe chuva o suficiente para que possa apreciar mais o sol. Desejo-lhe felicidade o suficiente para que mantenha o seu espírito alegre. Desejo-lhe dor o suficiente para que as menores alegrias na vida pareçam muito maiores.
Desejo-lhe que ganhe o suficiente para satisfazer os seus desejos materiais.
Desejo-lhe perdas o suficiente para apreciar tudo que possui. Desejo-lhe "olás" em número suficiente para que chegue ao adeus final. Ela começou então a soluçar e afastou-se.
Dizem que leva um minuto para encontrar uma pessoa especial, uma hora para apreciá-la, um dia para amá-la, mas uma vida inteira para esquecê-la.
EU DESEJO-VOS O SUFICIENTE !!!
15 janeiro 2005
Maria estava no centro comercial
Maria estava no centro comercial. Não gostava desses espaços. Só os usava por causa de algum filme que lhe interessase particularmente.
Procurava as horas mortas e lá se enchia de coragem para enfrentar aqueles espaços que lhe pareciam monstruosas projecções dum alucinado e alucinante futuro-presente.
O livro descaira-lhe nas mãos.
Ficara ali como se não existissem paredes à sua volta. Como se fora outro o espaço que ela e o seu corpo ocupavam.
Os olhos, olhavam e viam. Mas não o que os outros viam.
Dela emanava uma paz que criava uma espécie de bolha envolvente, com tendência para se expandir e criar um universo próprio e novo.
Marta chegara, sentara-se e principiara a ler um livro. Via-se que o lia atentamente.
De repente ocorre uma transfiguração que se percebe porque nos atinge, com uma força poderosam uma força misteriosa.
Tenta-se, mas não a compreendemos.
É-nos intangível. Está-nos distante ainda que a vislumbremos.
Os olhos não se desviam de Marta tentando decifrar o enigma. Os nossos olhos seguem o trajecto que os olhos de Marta nos parecem seguir, agora que o livro lhe descaíu e ficou levemente inclinado no colo, como uma extensão das próprias mãos. Do próprio corpo. De Marta.
(Fim da 1ª parte)
Por TMara -(Do livro: FALAR MULHER:87:88)
14 janeiro 2005
HEI-DE COMER A ALEGRIA ÀS DENTADAS
13 janeiro 2005
Versão moderna da Fábula da Cigarra e da Formiga
Durante todo o outono, a formiguinha trabalhou sem parar, armazenando comida para o periodo de inverno. Não aproveitou nada do sol, da brisa suave do fim da tarde e nem do convívio com os amigos
no fim do trabalho.
O seu nome era "trabalho" e o seu apelido "sempre". Enquanto isso, a cigarra so queria cantar nos grupos de amigos e nos bares da cidade; não desperdiçou um minuto sequer, cantou e dançou durante todo o outono, aproveitou o sol, curtiu a valer sem se preocupar com o inverno que estava para chegar.
Então, passados alguns dias, começou a fazer frio. Era o inverno que estava a começar. A formiguinha, exausta de tanto trabalho, entrou para a sua singela e aconchegante toca repleta de comida. Mas alguém chamou o seu nome do lado de fora da toca. Quando abriu a porta para ver quem era, ficou surpreendida com o que viu. A sua amiga cigarra estava ao volante de um Ferrari com um aconchegante casaco de vison. E a cigarra disse para a formiguinha: Olá amiga, vou passar o inverno a Paris. Será que tu poderias cuidar da minha toca?
E a formiguinha respondeu: Claro, sem problemas ! Mas o que te aconteceu? Como é que conseguiste dinheiro para ir a Paris e comprar esse Ferrari?
E a cigarra respondeu: Imagina tu que eu estava a cantar num bar, na semana passada e um produtor gostou da minha voz. Fechei um contrato de seis meses para fazer shows em Paris... A propósito, a minha amiga deseja algo de lá ?
Respondeu a formiguinha: Desejo sim. Se tu encontrares por lá um tal La Fontaine (autor da fábula original), manda-o ir para a Puta que o Pariu....!!!!!
- Moral da História: "Aproveita a vida, sabendo dosear o trabalho e o lazer, pois o trabalho em demasia só traz benefícios nas fábulas do La Fontaine e ao teu patrão. »
(Autor/a desconhecido/a)
12 janeiro 2005
Música ambiente (?)
Pessoalmente gosto do silêncio, de alguns silêncios.Necessito do silêncio como do ar, da água....
Mais, necessito do silêncio para me sentir, me ouvir, me reconstruir.
Ouvir o próprio silêncio é das coisas mais agradáveis que a natureza tem para nos oferecer
Sou das pessoas que se sentem profundamente incomodadas com as “músicas” ambiente por todo o lado. O resultado final é uma cacofonia insuportável, irritante e desgastante.
O tempo de espera ao telefone tornou-se numa epopeia capaz de, na maioria das situações, rebentar os tímpanos a qualquer mortal, para além de as músicas seleccionadas serem, por norma, inadequadas para o efeito pretendido: manter-nos em espera, serenos e bem dispostos!
Alguém decidiu que para estarmos BEM DISPOSTOS temos que estar mergulhados numa balbúrdia de ruídos, sem sentido, mas que, teoricamente, nos dispõem bem e serão sinónimo de alegria.
O facto é que, penso, temos medo de nós mesmos, da nossa humanidade, da mesma forma que, cada vez mais, temos medo da morte. O barulho, tal como está, afasta-nos do centro de nós mesmos. Faz-nos perder de vista as coisas essenciais e a essência das coisas e de nós.Em síntese recorro a uma citação: «Sabemos que o mundo está a construir-se sobre abismos. Enchemo-lo de ruídos para esquecer onde estamos.» (Frei Bento Domingues, OP, “Luz acesa na noite de mistério”. In: jornal PÚBLICO, 2003.06.01:6)
11 janeiro 2005
CONVITE: porta aberta e...boca livre
Encontramo-nos por lá. Até já então....
Estado de graça
09 janeiro 2005
Floridos campos (O índio e as canções)
(Fonte desconhecida)
08 janeiro 2005
Adoro o despertar dos dias
Nessas alturas a minha rua é uma imensa fita estendida, calma, espreguiçando-se, mas dormindo ainda. Hoje, quando levantei os estores e abria as janelas, surgiu-me no céu, à direita, um minguante perfeito e dourado-róseo, como que se a Lua se espreguiçasse sentada numa chaminé.
Estava iluminada, resplandecente, apesar de não passar de um muito fino e perfeito gume em forma de foice.
O acordar dos dias é um espectáculo sempre renovado e de grande beleza. Só necessitamos olhá-lo e ver a magia desdobrar-se perante nós.
07 janeiro 2005
É com o silêncio
As roupas do mundo.
o fuso e a roca eram só instrumentos
(uma quase justiifcação)
As vestes são tecidas com o silêncio
com o sangue dos olhos
com as lágrimas dos dedos.
Com o silêncio e no silêncio as mulheres tecem
longas vestes
enormes tapetes e carpetes
belas e luxuriantes cortinas.
Com tudo o que tece, silenciosamente,
a mulher do mundo tenta tapar
os buracos
tenta estancar o sangue
que corre copiosamente.
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Hoje dedico este meu poema a todas as vítimas das catástrofes. As naturais e as causadas pelo homem, em guerras.
(Do livro:AS TAREFAS TRANSPARENTES: 52)
06 janeiro 2005
«Só todo o branco é meu irmão?»
«Não foram os orgãos de Comunicação Social que inventaram que a emoção varia com a latitude. Isto é, que nos emocionamos mais com um desastre fatal em Espanha do que com uma tragédia na Ucrânia ou do que com uma hecatombe na China.
Mas a emoção varia também com a nacionalidade. Por isso, muitos países atingidos pela catástrofe no Sudeste asiático mandaram para lá jornalistas, cada qual preocupado, acima de tudo, com a sorte dos seus compatriotas.
Nada mais natural. Só que é por demais evidente que, após a nacionalidade, as televisões do Mundo ocidental passam á categoria seguinte do interesse noticioso. E informam-nos do que aconteceu com aqueles a quem, eufemísticamente, os ingleses chamavam "europeus" e os americanos ainda hoje chamam "caucasianos". Por outras palavras - brancos.
Estamos, nós, europeus, ocidentais, brancos, em estado de choque porque muitos dos "nossos" morreram lá longe. Ouço as televisões apontar números: uma dezena de belgas, uma centena de finlandeses, um milhar de suecos. E, pergunto-me: por uns tantos alemães, quantos milhares de indianos ou tailandeses? Por uns tantos italianos, quantas dezenas de milhar de indonésios ou cingaleses? Largos minutos dedicados à odisseia de um menino nórdico, louro e de olhos azuis. E os milhares de meninos asiáticos, morenos e de olhos escuros?
Antes de mais, os turistas, os brancos. E os "indígenas", os "nativos"?
Há, para os media ocidentais, uma quota de condolência e horror variável com a cor da pele das vítimas?
Nessa não vou! Para mim, mais de cem mil seres humanos morreram, iguais na desgraça, embora diferentes na tez. Porque, para mim, todo o homem - e não só o homem branco - é meu irmão».
Sérgio de Andrade escreve no JN, semanalmente às terças-feiras.
05 janeiro 2005
Correm os dias
aos dias que vão distantes!”
Veio-lhe esta frase à ideia. Não lembra quem a disse, ou escreveu: É memória antiga, de mais de noventa anos. Lembra-se de sempre a ter tido!
Agora, nos seus noventa e nove anos, olha as imagens do noticiário, na televisão, sobre o terramoto e maremoto na Ásia e a frase assalta-lhe o pensamento.
É bem verdade que os dias correm iguais quando não há perdas, mortes, desgostos arrasadores, tragédias como esta.
Os dias não correm agora iguais para as pessoas em todo o mundo. Principalmente as de lá, mas também muitas de outros pontos do globo que perderam familiares na catástrofe. Tão pouco para os que nada perderam directamente, como ele, mas que olha, observa e sente uma profunda dor por tantas vidas ceifadas, tanta destruição, tanto sofrimento!
Ao seu lado, ou outros internados na instituição, choram. Abertamente as mulheres. Os homens fungam, assoam-se ruidosamente tentando disfarçar a comoção.Ele não. Dói-lhe a alma. Tem uma dor constante no peito, mas não chora lágrimas dos olhos. Chora na alma.
04 janeiro 2005
Solidários na memória e na dor
São duas correntes mundiais expressando solidariedade. Para quem pense que estes actos são meramente simbólicos permito-me lembrar que "o pensamento move montanhas" e termino com uma frase que me impressionou, pela força que possui, e retirei do blog da minha filhot'ANA (http:facilitareiki.blogs.sapo.pt/):
Indignação
Para não variar e alimentar a péssima impressão recebi ontem o aviso de pagamento referente ao IRS de 2003. Duas folhas A4, profundamente escritas, pelo computador, em que as assinaturas dos funcionários são impressas ou fotocopiadas e não manuscritas, sem data de envio em qualquer uma, o envelope sem qualquer registo de data também.
O que lá vem impresso é que deveria efectuar o " pagamento voluntário até :2004.09.15". Por baixo da assinatura do funcionário consta a data de saída: "2004.11.29"
Logo aqui se vê como poderia cumprir o pagamento até à data limite se a notificação, em teoria, saiu das mãos deles (????) 14 dias depois.
Isto é, a data em que TEORICAMENTE, os papeis sairam das mãos do funcionário e das finanças?
Cada vez tenho mais a certeza de que o estado português NÃO é uma "pessoa de bem".
O valor a pagar é, felizmente, irrisório. A minha indignação não é pelo montante. É pela falta de rigor (para não dizer mais), e de critérios.
Todos sabemos das grandes dívidas ao fisco, que dariam para reequilibrar o orçamento e que são sistematicamente adiadas, se não perdoadas. Não quero perdões. Quero justiça, critério, rigor e isenção no tratamento, que é coisa que não tenho recebido e que a maioria dos portugueses/as, trabalhadores/as por conta de outrém não têm, não recebe e parece que não vai passar a ter, a receber.
Irei lavrar o meu protesto, por escrito. Uma vez reclamei, não obtive resposta a não ser (se é que se pode considerar resposta) uns meses depois receber novo aviso, desta vez para pagar quase o dobro da quantia inicial.
E paguei!
Não tendo obtido qualquer outra resposta!
Reafirmo: o estado português não se comporta como uma pessoa de bem para com os seus cidadãos.
Mais do que uma Rosa Branca...
03 janeiro 2005
A magia da vida
mergulhava em galáxias,
supostamente inexistentes,
que naquela noite
se desvendavam,
se descobriam e a si
descobriam.
No seu invertido vôo
de cometa,ou anjo,
a menina subia,
subia, e do seu peito
um outro fogo explodia
iluminando a noite o dia.
(Inédito, por: TMara)
02 janeiro 2005
01 janeiro 2005
Ali estava a mulher observando
Era um Inverno temperado, mas as madrugadas perpassavam sempre um arrepio da pele ao interior do corpo, pela quebra das temperaturas, pela humidade no ar e, parecia-lhe, pela surpresa do acordar que cada dia acarretava, tanto ao mundo quanto aos seres.
Surpresa a mulher procurava as marcas da diferença, quaisquer que elas fossem. Porque sim, tinham que existir. Porque em todo o mundo, em todo o lado, como se as vidas disso dependessem, a maioria das pessoas festejara, ruidosamente, a passagem de mais um ano como coisa rara, quando afinal é cíclico e com dias certos: 365, ou 366 dias em anos bissextos.
Já ao sair do banho se olhara atentamente ao espelho procurando indícios de algo diferente em si. Nada. As diferenças aconteciam independentemente da mudança de ano, que, ao fim e ao resto, não passava de um marco temporal. Mais um.
O conjunto dos anos, mas principalmente as ocorrências da vida, ao longo de múltiplos quotidianos, isso sim, isso é que pesava na balança das mudanças, pensou!
O ano mudara, sem o frenesim, endoidecido do de fim do século a que assistiu espantada. Literalmente espantada com a loucura que se apoderara de quase toda a gente.
Mas o ano mudara, ela mudava lentamente como em todos os outros dias do ano e só daí a algum tempo se perceberiam as mudanças, as físicas e as interiores.
Pelo planeta as guerras, as mil e mal disfarçadas (umas mais do que outras) frentes de guerra continuavam. Israel continuava com o muro da nossa vergonha (já que eles a não têm mais). Parece-lhe que o facto de o povo judeu ter sido vítima do holocausto nazi, legitima agora (para muitos deles), quase todas as atrocidades e barbaridades.
Os palestinianos continuam, arrasados a dar as vidas, colhendo outras, em total desespero de causa....Atrocidades atrás de atrocidades. O Afeganistão, o Iraque..., céus, o terramoto e o maremoto..., de facto nada mudou de 2004 para 2005. A acontecer levará o seu tempo. Será um ano? Parece-lhe pouco o espaço de um ano para tamanha confusão e, e quê? Receia a palavra que lhe surge. Coíbe-se de a dizer. Olha o dia esperando novas e luminosas madrugadas.