31 outubro 2005

Rubrica: Discos Pedidos

EM TEMPO - recebi, via comentário/ANÓNIMO, a informação de que a autoria deste texto é de Millor Fernandez.
Como não sei, e...coisas anónimas são...estranhas, mas gosto do seu a seu dono aqui deixo a informação. (2007.02.15).
Se alguém poder conferir fico grata.
XXXXXXXXXX
Inicio hoje esta rubrica, a pedido de várias famílias: A, B e C...
Irá tendo continuidade à medida k os pedidos chegarem...ou não!
Boa "audição", tenham um muito bom dia e façam o favor de ser felizes
.
HISTÓRIA DE UM "QUOCIENTE APAIXONADO"

Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base...

Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo ortogonal, seios esferóides.
Fez da sua Uma vida Paralela a dela.
Até que se encontraram
No Infinito.
"Quem és tu?"
indagou ele
Com ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa.
" E de falarem descobriram que eram
- O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs - Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz.
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Rectas, curvas, círculos e linhas senoidais.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar.
Mais que um lar.
Uma Perpendicular.
Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissectriz.
E fizeram planos,
equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.

E se casaram e tiveram uma secante
e três cones Muito engraçadinhos.
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum...
Frequentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos. Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um
Denominador Comum.

Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais
Um Todo.
Uma Unidade.
Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fracção
Mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a
Relatividade.
E tudo que era espúrio passou a ser
Moralidade
Como aliás, em qualquer Sociedade.

(Autor desconhecido -circula livremente por aí, na net!)

30 outubro 2005

A mulher continua a habitar a casa



O calendário indica que o ano se está a esgotar.
A mulher continua a habitar
a casa. A circular por ela.
A limpá-la, a abrir as janelas
para que o ar e o sol
a penetrem.


Senta-se, por vezes, ao sol,
nas varandas da casa.


Pega nos livros e lê.
Às vezes perde-se nos pensamentos.
Esquecidos os livros
nas mãos distraídas.


Descobriu, hoje, que o ano está
a chegar ao fim.
Uma certa estranheza invadiu-a.
Não se lembra do passar dos meses...,
não lembra quando foi à rua
pela última vez....Há já muito
tempo que não sai dos limites
da casa.


Lembrou-se ainda que o telefone
nunca toca. Nunca ninguém
telefona,
a saber dela, para falar com ela....
Em verdade também não
se tem lembrado de ligar
a ninguém....


Persiste-lhe a estranheza. Se
o ano se está a esgotar, se
se levanta, come, bebe, dorme
e habita dentro da casa, como é
possível fazê-lo durante tanto tempo
sem nunca sair à rua?
Sem que os amigos estranhem a sua
ausência e telefonem?


Não sabe explicar a estranha
situação.
Serena levanta-se da cadeira
que ocupa à secretária e vai sentar-se
na varanda, ao sol.


Sente frio.
Só se sente bem ao sol.
Habita a casa onde viveu, a mulher.


Desconhece que morreu.


Por TMara, do livro: FALAR MULHER:48-49

28 outubro 2005

IUPIIIII! Hoje é 6ª feira....

.... largo o..fato-de-trabalho,os sapatos de salto, a pasta, a mala, os problemas...

Digo-lhes que durmam todo o fim-de-semana e que nos veremos na segunda-feira e espero que, nos entretantos, no sono descansado se tenham resolvido de uma vez por todas e só apareçam para me dizer: " Olá, já não somos os problemas. somos as soluções!"

Dispo as tensões. Como cobra que muda de pele e renasce.
Largo o relógio logo ao entrar em casa.
Sorrio para o Sol que a habita e sento-me num banco de jardim debaixo de um majestoso cedro que nasceu no meio da sala...

Aspiro o perfume das flores e deixo qua as brisas me despenteiem...
Sorrio feliz e descuidada, alimento-me do ar, do sol e da ternura.

Assim me renovo para as novas batalhas do cansativo quotidiano que se repete inexorável, por onde se arrastam seres unifomes, amorfos, invertebrados e cinzentos, que mostram os dentes num esgar, pensando sorrir e assim enganar alguém que num equívoco os tome por humanos.

Abro as portas e as janelas, deixo entrar as marinhas brisas, as névoas e a luz solar bem como todos os amigos para os quais tenho lugar cativo no coração.

E então é sempre dia e também é sempre noite!
A chuva cai sobre as plantas ao nosso redor, mas evita-nos protegendo-nos.
Um imenso arco-íris cobre toda a sala lá no alto, circundando-a em chispas de luz colorida que nos alumiam.
Os pássaros volteiam delizando por ele como crianças num escorrega.
Cantam melodias de Beethoven e de Grieg e enchem o espaço de melodiosos trinados.
Não temos sono nem fome, pois assim nos alimentamos neste espaço de paz e luz onde a fraternidade e o sonho florescem.

27 outubro 2005

Os seres estranhos que nos habitam



Há seres estranhos que nos habitam.
Moram em nós que os ignoramos. Não deliberadamente, porque nem tomamos consciência da sua presença. Ignoramos-lhes a existência na nossa comum pressa de viver, na avidez de dominar a vida, o mundo, o tempo e, infelizmente, muitos de nós, os outros.

Mas esses estranhos seres que nos habitam encontram forma de comunicação e fazem-no bem na nossa frente, na nossa cara, com um descaramento inimaginável.
E, apesar de nos habitarem, nem sempre nos são leais. Atraiçoam-nos muitas vezes.

Habitam em todos os seres humanos. Possuem-nos. É uma invasão universal.
Talvez os primeiros alienígenas que em nós se instalaram.
Não é parasitismo. É uma simbiose. De tão perfeita esquecemo-la.

Estão bem dentro e diante de nós. Em perfeita simbiose com tudo o que vivemos, somos, sentimos e pensamos.
E, falam, falam...tantas vezes dizendo aos outros o que até de nós queremos esconder.


Abençoados sejam estes estranhos seres que nos habitam e que tantas vezes, de nós falam e dizem, aos outros, o melhor e o pior.

São estranhos seres que nos habitam.



As almas e os seus órgãos de comunicação exterior: os olhos.




26 outubro 2005

Era uma vez....

... um mundo onde havia um muro que dividia uma cidade.

Todos os habitantes desse mundo (menos uns quantos) se sentiam envergonhados e o muro começou a ser chamado "O muro da vergonha" e assim ficou na história.

Um belo ano o muro foi deitado abaixo.
Os cidadãos das duas metades da cidade dividida vieram para a rua ajudar a derrubá-lo e houve pessoas que viajaram de outros países para rejubilarem com tal e participarem activamente na demolição e poderem , um dia, emocionados, dizer aos filhos e aos netos: "eu estive lá".

Foi uma emoção que percorreu o planeta e os sorrisos rasgaram-se nos rostos.

Mas como não há um sem dois, eis que um país que se diz pacifista, não terrorista e democrático, paladino-afilhado dos campeões da democracia, da liberdade e da paz, ficou cheio de pena pela perda de um tal marco da qualidade moral e ética da humanidade e resolveu erguer outro.


Só que agora o silêncio é total, ninguém fala do "Muro da vergonha 2"!

O que nos vai valendo é a capacidade de ainda brincar que muitos dos cidadãos murados, isolados, espoliados, vão tendo.

Porque a liberdade vive enquanto houver um só homem que tenha esse sonho e seja livre no coração e no intelecto.

25 outubro 2005

Crónicas datadas -VIII

CRÓNICAS DATADAS -VIIINO CINTILAR DOS DIAS - 2001-08-01
_
“... os insensatos herdam a ignomínia.”
((Provérbios 3-4)

A partir de algumas notícias que me vão chegando. Do caricato ao doloroso...

1 _Um homem e o seu sonho:
Este homem sempre teve o sonho de voar. Alistou-se na Força Aérea dos E.U.A. mas por razões de visão foi reprovado. Tornou-se camionista mas o sonho não o deixava. Um dia pensou ter encontrado a solução. Para concretizar a sua ideia comprou 45 balões meteorológicos e várias botijas de hélio. Estes balões, quando cheios, têm 1,20 metros de diâmetro.
Chegado a casa iniciou os preparativos para o seu voo. Prendeu os balões à cadeira espreguiçadeira (de praia) e ancorou a cadeira no pára-choques do jipe. Encheu os balões com o hélio, embalou sandes e cervejas, carregou uma espingarda de pressão de ar, com o objectivo de a usar para rebentar os balões para a descida, sentou-se na cadeira, cortou as amarras e ....levantou voo.
Mal cortou as amarras saiu disparado e encontrou-se nos céus a uma altitude de 3.300 metros, o equivalente a 11.000 pés em vez dos 10 ou 20 metros que pretendia subir.
A esta altitude reflectiu que a pressão de ar não lhe tinha utilidade pois corria o risco de se esborrachar na superfície terrestre.
Ficou por lá, pairando mais de 14 horas, sem ter a mínima ideia de como descer.
Os ventos empurraram-no para o corredor de aproximação aérea do aeroporto de Los Angeles.
Um piloto, em aproximação, viu o homem e relatou o que vira. Ninguém na torre acreditou a não ser quando os radares começaram a indicar um objecto voador não identificado nas coordenadas fornecidas pelo piloto.
O salvamento foi muito complicado e, ao pisar terra, foi preso por violação do espaço aéreo restrito.

2 _Nós e a água:
A água, já designada como o “ouro azul”, poderá tornar-se na maior fonte de conflitos no sec. XXI.
Em 1990 a sua falta afectava 300 milhões de seres humanos. Segundo a ONU, em 2025 (já só faltam 24 anitos...) três mil milhões de pessoas estarão sem água.
O corpo humano tem, na sua composição, mais de 75% de água. Podemos sobreviver várias semanas sem comer mas sem beber morreremos ao fim de três dias.
O que gastamos?
Autoclismo (por descarga):10 a 15 litros; banho de imersão: 150 a 200 l; duche: 20 a 80 l
[1]; lavagem dos dentes: 2 a 18 l1; máquina de lavar roupa: 60 a 90 l; máquina de lavar louça: 18 a 30 l; torneira a pingar: 170 litros/ mês.
Um habitante das regiões semi-áridas de África necessita, por dia de 10 a 15 litros.
3 _ Bilhetes para concerto de Madonna em troca de sexo:
Um grupo de jornalistas da edição on-line da revista alemã «Thema 1» disponibilizou 16 entradas gratuitas para um concerto de Madonna, cuja lotação havia esgotado mal foi posta à venda, em troca de sexo com os seus repórteres.
Até à altura que verifiquei (15.06.2001) existiam 22 candidatos para trocarem uma noite de sexo com 4 jornalistas, (3 homens e uma mulher), por um bilhete para assistirem ao concerto
Palavras ou comentários para quê?


[1] Conforme deixamos a torneira SEMPRE aberta ou não.

P.S -Passem no BALÃOZINHO para uma saudável gargalhada.


23 outubro 2005

Nostalgia (3ª e útima parte)


Posted by Picasa O que nunca se perdeu foi essa memória e a gratidão por termos vivido um tal amor, pois sei que é raro.
Que poucas pessoas tiveram, viveram ou sequer reconheceram um tal amor que por elas tenha, eventualmente, passado....


Calou-se olhando-me. Tinha os olhos húmidos. Das brisas marinhas, digo eu.
Laconicamente respondi-lhe: “compreendo-te”, esboçando um esvoaçante gesto de ternura na sua face o qual, acidentalmente, espalhou a humidade que se lhe colara ao rosto.

Sorrimos. Demo-nos um breve, cúmplice e terno toque com as mãos, olhámos o céu e ambas dissemos: «É melhor ir! Vem aí chuva grossa!»
Voltamos a sorrir agora mais soltas do que segundos antes...Soltas pelo estribilho e sua simultaneidade.
Levantámo-nos, caminhámos juntas um troço do percurso de retorno, demos um apertado abraço e cada uma regressou a casa.
Ao caminhar, agora já só, ouvia ainda o murmúrio da voz dela, ao abraçar-me, dizendo-me ao ouvido. Sabes, optei por vir morar para o Porto por tu cá estares.

Quando nos despedimos podia ter-lhe dito – eu também sinto essa saudade de vez em quando, mas não o disse porque entre nós não era preciso verbalizar certas coisas, pensamentos ou emoções.


Conhecíamo-nos muito bem. A amizade e a cumplicidade estavam lá. Intactas. Fazendo parte de nós. Tornando-nos nas pessoas que éramos.

22 outubro 2005

Nostalgia (parte 2)


Sabes..., olhou-me mais insistentemente tocando-me as mãos..., dentro de mim, tomando forma e soltando-se. Um grito de alerta e desejo.
O desejo por uns olhos que ao olharem-me sorrissem sempre, incondicionalmente, só porque me viam e eram retribuídos com idêntico olhar. Expressando muita alegria e contentamento por existirmos e nos termos encontrado...


Um silêncio caiu entre nós. Pensei em falar, mas olhando Maria Clara, vendo uma dor funda espelhada no olhar, calei e limitei-me a deixar cair um lacónico: sim!
Foi uma pausa prolongada em que cada uma caiu nas suas recordações, atentas no entanto.

-
Mas houve um temporal, ciclone, tufão, tromba de água, espiral de loucura, que tudo arrasou.
O que era perfeito estilhaçou-se. Tentámos, penso que sim, olhou-me como quem busca anuimento, mas dele não necessitando, penso que cada um de nós tentou, a seu modo, apanhar os milhões de fragmentos e restaurar, recuperar, reconstruir...
Só que depois do temporal, vendaval, maremoto, tsunami, já não éramos os mesmos...

Com as mãos ansiosas, mas deserdadas de olhares de ternura, de afagos, tentámos a reconstrução. Tentámos e falhámos. Durante anos tentámos....até ao limite! Tu sabes!
Até ao ponto em que cada um de nós se tornou, interiormente, um vulcão, vivo, dorido, agitado, onde se moviam magmas sem escape, e cada vez mais nos apartavam e feriam mutuamente.
Inexoravelmente, já não dois seres amantes mas ilhas, vulcões doridos com as entranhas a arder, a alma eruptiva, magoada e distante, sempre mais e mais distantes do universo de perfeito equilíbrio que era o nosso, que construíramos e habitáramos.
Continuou,... um tempo de loucura e dor, lembras-te?
Agora foi-se. Tudo se foi menos a memória de um amor-mais-que-perfeito que um dia, como tudo o que é perfeito e o mundo não consente, se estilhaçou, murchou, morreu...

(continua)

Hoje

passa o aniversário de nascimento de meu pai que partiu há décadas.

Estejas onde estiveres, estarás sempre no meu coração.

Obrigada por tudo, pai.

POST SCRIPTUM - O Art Of Love chamou-me, e muito bem, a atenção para o facto de estar adiantada no tempo. De facto acelerei os dias, sem me aperceber. Postei a 21, pensando ser 22. Assim fica então, pois que no meu coração era já, 22 de Outubro.

20 outubro 2005

Nostalgia (parte I)


Hoje, ao passear na marginal, encontrei Maria Clara.
Não nos víamos há uns dez anos. Razões profissionais levaram cada uma de nós para seu lado.
Mantivemos contacto esporádico, mas regular, nas datas que nos eram significativas.
Agora ela estava de volta a Portugal. Reformara-se e decidira regressar.
Ainda me não telefonara pelo que foi acidentalmente que nos encontrámos. Ou talvez não...
Continuámos a caminhar juntas e depois de arrumadas as novidades ficámos em silêncio.
Assim caminhámos até que decidimos sentar numa esplanada e beber algo.

O dia escurecia. A manhã, que nascera luminosa, apresentava-se agora carregada com raras nuvens pesadas, grávidas da desejada chuva.

Depois de bebermos o café e enquanto acendia um cigarro, Maria Clara começou a falar num tom baixo, intimista.
- Sabes, disse-me ela, quando deambulo pela cidade vejo-os. Os pares de enamorados. Constato (nota que é uma observação empírica que vale o que vale) que são menos do que há uns anos atrás. Procuro razões e concluo que uma das mais importantes, senão a mais importante, será a liberdade sexual entre os jovens, consentida muitas vezes nas próprias casas, bem como a existência de múltiplos locais de recriação e convívio na noite permitindo dar vazão às pulsões da libido de uma forma inimaginável na nossa juventude...

Concordei, acrescentando não necessitarmos recuar tantos anos. Percebi que me ouvira mas o fio do raciocínio impunha-se-lhe:
-
Estarão mais realizados e as expressões exteriores e públicas de ternura, enamoramento e paixão, ficam assim mais diluídas porque expressas no resguardo dos seus próprios espaços?
Ou, haverá mais sexo e menos romantismo?
Francamente não sei e espero que a resposta esteja por aqui, na primeira hipótese! O facto é que quando vejo um par enamorado trocando olhares, partilhando falas e silêncios, nelas e neles se envolvendo, criando um espaço único, bolha de paz plena de amor, sorrio. De puro deleite.

Olhou-me com um sorriso aberto e cúmplice. Ambas sorrimos, e ela continuou:
-
Não me lembro de ficar nostálgica.
Mas fiquei-o hoje ao ler um pequeno texto sobre um casal que se olhava e tocava com subtis gestos eivados de ternura, com ternura tecidos.

Senti uma infinita saudade, espiritual e física. Chegou a doer!
De tal forma me doeu que em mim se instalou e ficou!


(continua)

19 outubro 2005

Espólio

ESPÓLIO

É nos bolsos que cabe o que nós somos.
Levamos tudo logo pela manhã,
são remorsos junto de laranjas,
são recados tristíssimos, romances.

Lâminas enferrujadas e romãs
longínquas romãs e efemérides,
garras rasgando os rins,
venenos subtis e laços desatados.

É nos bolsos que somos
lembranças, compromissos
e mãos que se arreceiam,
molhadas de experiência.

Maio sob papéis, manchas de tinta,
algum cotão e fósforos,
~um telegrama velho, uma moeda,
um pouco de alegria misturada a tabaco.

Navarro, António Rebordão (2005).LONGÍNQUAS ROMÃS e alguns animais humildes. ANTOLOGIA.Selecção e prefácio de Francisco Duarte Mangas. Porto: ASA (34)

17 outubro 2005

Fascinação


O fascínio de uma página em branco. Branca. Intocada. Inexpugnável.
O fascínio de uma praia, de madrugada, sem pegadas. Virgem.
O fascínio do primeiro amor. Das fortes emoções e sensações. A descoberta de tudo, Aida virgem. Inesquecível.
O fascínio de vigiar o roteiro estelar na abóbada celeste e aguardar até um novo nascer do Sol. Um Sol novo. Intocado do olhar. Esplendoroso.
O fascínio de mergulhar nua no mar e sentira suave e forte carícia das águas em cada milímetro de pele. Do corpo. Excitante.
O fascínio do ribombar do mar, ecoando em todas as cavernas do corpo, marcando o bombear do sangue, o seu pulsar. Vibrante.


O fascínio de saber que, dentro de nós, uma nova vida, um novo ser, começa a formar-se. Avassalador.
O fascínio de ver o corpo crescer, alargar-se em afagos à nova vida que geramos. Perturbador.
O fascínio do nascimento. Divino.
O fascínio do primeiro olhar de reconhecimento do nosso rosto pelos filhos. Alegria. Maravilhamento.
O fascínio do primeiro sorriso de um filho, ao ouvir a nossa voz, ao ver o nosso rosto. Alegria sempre renovada. Extasiante.
O fascínio da gravidez de uma filha. Menina-mulher-mãe. Avassalador.
O fascínio de ver os filhos crescer. Amadurecer. Nossos pares. Inexplicável.
O fascínio de ver uma criança, qualquer criança, sorrir feliz, correr descalça na areia, chapinhar nas águas. Eterno.
O fascínio de sermos capazes de amar e de assim nos renovarmos. Pura magia. Mágico.

O fascínio de caminhar pelas dunas e, súbito, todo o som se desvanecer, se diluir, desaparecer, ficando um silêncio único. Sólido e total. Inesquecível.
O fascínio de montar guarda à Lua e vê-la emergir, imensa e plena, na noite escura. Sedução.
O fascínio do mudar das Estações. Intemporal.
O fascínio.....
O fascínio de envelhecer. Inebriante.


O fascínio de viver. Puro encantamento. Imperdível.

*****

P.S -deixei-vos um poema no Balãozinho

15 outubro 2005

Longínquas madrugadas

Em lonqínquas madrugadas amei o teu corpo. Ou devo dizer: os nossos corpos amaram-se?
No leve despertar do último sono o toque da pele nua.
A vibração rútila do sangue percorrendo-nos até à alma.
Invocando, convocando o acto físico de amar em que nos transcendíamos fundindo corpos e almas num só, numa só.
Nós, um só, iluminando a vida e assim a saudando.

Crónicas Datadas VII

CRÓNICAS DATADAS -VII

NO CINTILAR DOS DIAS -2001-06-11

Tenho pena de não saber cantar ao desafio.
Improvisando no momento, no fluir do pensamento e no desafio de quem comigo cantasse.
O mote seria: solidariedade.

O que quer que seja.
O que quer que signifique.
Há anos dizia-se, a propósito de outra matéria: “ não lhe gastem o nome”.
A solidariedade, enquanto sentimento expresso em movimento que nos leva à entreajuda, continua viva mas corre riscos de defuntar se as classes política e empresarial continuarem a delapidá-la num esbanjamento vazio de sentido na praça pública.
Ao longo da minha vida tenho observado um fenómeno que considero interessante.
O dito fenómeno apresenta duas vertentes e sob elas pode incidir a nossa observação.
A 1ª consiste na existência de um problema ou défice (por norma gigantesco, fora de controle e considerado como incontrolável) nas respostas sociais por parte do estado e
este passar a responsabilidade da recuperação dessas rupturas para os cidadãos, então designados como sociedade civil.
O facto de se passar a falar em sociedade civil dá-nos um peso que o mero estatuto de cidadãos não permite e arrasta consigo uma ideia de colectivo, informado e organizado em torno de objectivos comuns, que muitas vezes não é real, pois que surge à posteriori, para tentar dar expressão aos interesses do próprio estado nessa forma de solidariedade( eis que cheguei ao que foi e é central no meu pensamento desde o início ).

A 2ª vertente, também ela associada a um possível défice, tem a ver com o uso indiscriminado e exaustivo da palavra que o designa. No caso presente: a solidariedade.
Quanto menos existe de um “bem” mais se lhe refere a designação.
Na ausência da prática, a saturação pela palavra.
Poderão argumentar que nunca Portugal teve tantos movimentos de solidariedade; tantas instituições particulares com fins não lucrativos que assumem como objectivo último a prestação de serviços de uma forma solidária; nunca entre nós, os movimentos de voluntariado alcançaram uma tão grande expressão.
Poderão argumentar tudo isso e, sendo embora verdadeiro, devemos olhar para além da “peneira” e ver o todo sem qualquer filtro.
Pensar na génese desses movimentos; no movimento politicamente correcto que lhe vem tantas vezes acoplado e, por fim, em como fica bem no currículo de tantos.

Não expresso nenhuma desvalorização sobre os movimentos de solidariedade; não detenho uma atitude cínica sobre o ser humano e a sua real e efectiva capacidade de se mobilizar em função do outro.
O que me irrita é a apropriação da ideia, do princípio, por quem o não sendo se arroga como arauto da mensagem.
Olhemo-nos bem nos olhos; olhemos bem nos olhos o nosso governo ou desgoverno e, no recesso do nosso pensar e sentir (sim do sentir, já que a solidariedade nasce do e com sentimento), respondamos à seguinte questão: será o Estado, de facto, um Estado Solidário?
Que políticas configuram a solidariedade do Estado para com os cidadãos?
****
**
*
P.S - há 6 cachorrinhos lindos, Golden Retriever para dar. Vejam-nos em
Ahhhhhhh, hoje foi o meu dia de postar no ORGIA



14 outubro 2005

Textos recuperados - I


TEXTOS RECUPERADOS - I
Os símbolos dos dias inserem-se nas falas

É nas falas que se inserem os símbolos dos dias.
*
Deveríamos estar-lhes mais atentos.
Escorrem nas conversas de café, nas conversas ao telemóvel, nos chats, talvez também nos blogues e, principalmente, nas mensagens SMS.
Falas que se inscrevem em conversas sem peias, sem grandes níveis de censura, sem controlo, porque tudo navega no imponderável, no informal, no convívio companheiro e também na ausência do outro, quando não: falas de "outros", ficcionados por eles mesmos - alter egos criados virtualmente? Os símbolos acompanham-nos, mas cegámo-nos para eles.
Em nome da racionalidade e do pragmatismo auto-mutilámo-nos.
*
É preciso voltar a procurar essa parte e deixarmo-nos invadir por ela, abrir as portas da emoção (contida) e olhar para ver; escutar para ouvir e, já agora, olhar também para o mundo ao redor e para os céus.
Olhar as estrelas e a lua, de dia ver o sol e senti-lo.
Deixar o vento passear o nosso corpo e apreciá-lo.
Podemos começar por aqui e deixar a emoção reconstituir-nos.
Não se esqueçam que agora o QE (quociente emocional) destronou o QI.
Estamos todos sancionados pela ciência o que, neste caso, é uma boa coisa.
Aproveitemos a noite e olhemos a lua que está magnífica e...com um crescente fabuloso.
Mas o exercício final, o objectivo último, é o de despertarmos para os outros nas suas diferenças e idiossincrasias, riqueza da humanidade - nos seus gestos de ternura, nos gritos de socorro, tantas vezes ignorados.
Bora lá ouvir os sinais dos dias que se inserem nas falas dos nossos múltiplos quotidianos.

13 outubro 2005

Porque precisamos rir....

I
SE NÃO FOSSEM OS ALENTEJANOS (o k me orgulho de ser) ................


« Me querido filho,
Escrevo devagar por que sei que nao gostas de ler depressa.
Se receberes esta carta, e porque chegou. Se ela nao chegar, avisa-me que eu mando-te outra.
Te pai leu no jornal que a maioria dos acidentes ocorrem a 1km de casa. Assim, mudamo-nos para mais longe.
Sobre o casaco que querias, o te tio disse que seria muito caro mandar-to pelo correio por causa dos botoes de ferro que pesam muito. Assim arranquei os botoes e puse-os no bolso.
Quando chegar ai, prega-os de novo.
No outro dia, houve uma explosao na botija de gas aqui na cozinha. O pai e eu fomos atirados pelo ar e sai-mos fora de casa. Foi a primeira vez em muitos anos que o te pai e eu saimos juntos.
Sobre o nosso cao, o Joli, anteontem foi atropelado e tiveram de lhe cortar o rabo, por isso toma cuidado quando atravessares a rua.
Na semana passada, o medico veio visitar-me e colocou na minha boca um tubo de vidro. Disse para ficar com ele por duas horas sem falar. O te pai ofereceu-se para comprar o tubo.
Tua irma Maria vai ser mae, mas ainda nao sabemos se e menino ou menina, portanto na sei se vais ser tio ou tia.
O te irmao Antonio deu-me muito trabalho hoje. Fechou o carro e deixou as chaves la dentro. Tive que ir a casa, pegar a suplente para a abrir. Por sorte, cheguei antes de comecar a chuva, pois a capota estava em baixo.
Se vires a Dona Esmeralda, diz-lhe que mando lembrancas. Se nao a vires, nao digas nada.
Tua Mae,
Maria
PS: Era para te mandar os 100 euros que me pediste, mas quando me lembrei ja tinha fechado o envelope.»
II
Alentejanos no Ballet
« Maria e Manuel vão ao Teatro Municipal assistir ao bailado "O Lago dos Cisnes".
Maria, cansada após um longo dia de trabalho, dorme profundamente durante a maior parte do espectáculo.
Acorda sem graça, e pergunta ao marido:
- Manel, deixê-me dormiri. Será que alguêm da platêa arreparô?
Responde o Manuel:
- Da platêa nã sêi, mas todas as artistas sim, pois há que horas que caminham na pontinha dos pééis p'ra nã t'acordari...»
III
A terminar, ainda no rescaldo das eleições autárquicas, uma política:´

«Um presidente de Câmara está andando tranqüilamente quando é atropelado e morre.
A alma dele chega ao Paraíso e dá de cara com São Pedro na entrada.
Bem-vindo ao Paraíso!"; diz São Pedro
Antes que você entre, há um problema.
Raramente vemos políticos por aqui, sabe, então não sabemos bem o que fazer com você.
« Não vejo problema, é só me deixar entrar", diz o antigo presidente
Eu bem que gostaria, mas tenho ordens superiores. Vamos fazer o
seguinte:
-Você passa um dia no Inferno e um dia no Paraíso. Aí, pode escolher onde
quer passar a eternidade.
Não precisa, já resolvi. Quero ficar no Paraíso diz o ex-presidente.
« Desculpe, mas temos as nossas regras."
Assim, São Pedro o acompanha até o elevador e ele desce, desce, desce até o Inferno.
A porta se abre e ele se vê no meio de um lindo campo de golfe.
Ao fundo o clube onde estão todos os seus amigos e outros políticos com os quais havia trabalhado.
Todos muito felizes em traje social.
Ele é cumprimentado, abraçado e eles começam a falar sobre os bons tempos em que ficaram ricos às custas do povo.
Jogam uma partida descontraída e depois comem lagosta e caviar.
Quem também está presente é o diabo, um cara muito amigável que passa o tempo todo dançando e contando piadas.
Eles se divertem tanto que, antes que ele perceba, já é hora de ir embora.
Todos se despedem dele com abraços e acenam enquanto o elevador sobe.
Ele sobe, sobe, sobe e a porta se abre outra vez. São Pedro está esperando por ele.
Agora é a vez de visitar o Paraíso.
Ele passa 24 horas junto a um grupo de almas contentes que andam de nuvem em nuvem, tocando harpas e cantando.
Tudo vai muito bem e, antes que ele perceba, o dia se acaba e São Pedro retorna.
« E aí ? Você passou um dia no Inferno e um dia no Paraíso.
Agora escolha a sua casa eterna." Ele pensa um minuto e responde:
« Olha, eu nunca pensei ... O Paraíso é muito bom, mas eu acho que vou ficar melhor no Inferno."
Então São Pedro o leva de volta ao elevador e ele desce, desce, desce até o Inferno.
A porta abre e ele se vê no meio de um enorme terreno baldio cheio de lixo.
Ele vê todos os amigos com as roupas rasgadas e sujas catando o entulho e colocando em sacos pretos.
O diabo vai ao seu encontro e passa o braço pelo ombro do ex-presidente .
« Não estou entendendo", - gagueja o presidente - "Ontem mesmo eu estive aqui e tinha um campo de golfe,
um clube, lagosta, caviar, e nós dançamos e divertimo-nos o tempo todo.
Agora só vejo esse fim de mundo de lixo e meus amigos arrasados!!!"
O diabo olha pra ele, sorri ironicamente e diz:


Ontem estávamos em campanha. Agora, já conseguimos o seu voto..."



P.S - se quiserem "saber" qual a vossa qualidade secreta passem no

12 outubro 2005

Um poema de Victor Hugo


(Um poema de VICTOR HUGO)

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
*
Desejo, pois, que não seja assim
Mas se for, saiba ser sem se desesperar
Desejo também que tenha amigos
Que mesmo maus e inconsequentes
Sejam corajosos e fiéis
E que pelo menos em um deles
Você possa confiar sem duvidar.
*
E porque a vida é assim
Desejo ainda que você tenha inimigos
Nem muitos, nem poucos
Mas na medida exacta para que
Algumas vezes você se interpele
*
A respeito de suas próprias certezas.
E que entre eles
Haja pelo menos um que seja justo
Desejo depois, que você seja útil
Mas não insubstituível
*
E que nos maus momentos
Quando não restar mais nada
Essa utilidade seja suficiente
Para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante
*
Não com os que erram pouco
Porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente
E que fazendo bom uso dessa tolerância
Você sirva de exemplo aos outros
*
Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais
E que sendo maduro
Não insista em rejuvenescer
E que sendo velho
Não se dedique ao desespero
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor
*

Desejo, por sinal, que você seja triste
Não o ano todo, mas apenas um dia
Mas que nesse dia
Descubra que o riso diário é bom
O riso habitual é insosso
E o riso constante é insano.
*
Desejo que você descubra
Com o máximo de urgência
Acima e a respeito de tudo
Que existem oprimidos, injustiçados e infelizes
E que estão bem à sua volta
Desejo ainda
Que você afague um gato, alimente um cuco
E ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque assim, você se sentirá bem por nada
*
Desejo também
Que você plante uma semente, por menor que seja
E acompanhe o seu crescimento
Para que você saiba
De quantas muitas vidas é feita uma árvore
*
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro
Porque é preciso ser prático
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele na sua frente e diga:
"Isso é meu"
Só para que fique bem claro
Quem é o dono de quem
*
Desejo também
Que nenhum de seus afectos morra
Por eles e por você
Mas que se morrer
Você possa chorar sem se lamentar
E sofrer sem se culpar
*
Desejo por fim
Que você sendo homem, tenha uma boa mulher
E que sendo mulher, tenha um bom homem
Que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes
E quando estiverem exaustos e sorridentes
Ainda haja amor pra recomeçar
*
E se tudo isso acontecer
Não tenho mais nada a lhe desejar
Victor Hugo

11 outubro 2005

O dia amanheceu turbulento


O DIA AMANHECEU TURBULENTO

Inexplicavelmente o dia amanheceu-me turbulento.
Nada aconteceu que o possa explicar.
Dentro de mim é que há a turbulência, estendendo-se ao dia que, então, me parece invernoso, agreste, quiçá árido.
Estados de espírito que tendemos a racionalizar imputando-os a factores exteriores como por exemplo: a chuva, o dia de cinza, o vento agreste e frio....quando é de nós que essas impressões subjectivas partem e colamo-las às coisas como fatalistas etiquetas.
Assim sendo, para que o estado de espírito não se cole (mais) à escrita deixo-vos com um pequeno poema:
*
As palavras parecem--me
sem peso e sem sentido.
*
Melhor é calá-las
o sonho é já vivido.

(Do livro: AS TAREFAS TRANSPARENTES)
*
Post scriptum: Para quem desconhece, ou não lembra Luis Veiga Leitão deixei-vos 3 poemas dele no balãozinho

10 outubro 2005

Misteriosos fluxos de alma(s)


MISTERIOSOS FLUXOS DE ALMA(S)

Há, entre nós e a vida, um misterioso e mágico movimento de retorno.
Nos locais e momentos mais inesperados encontramos pessoas que irão desempenhar um papel determinante no nosso crescimento enquanto seres humanos, o mesmo se passando com os livros.

A coincidência e o acaso não existem.
Há corrente e tensões, fluxos de energia, quer de atracção quer de retracção, que aproximam ou afastam de nós, tanto pessoas como coisas/livros, por estarmos ou não «preparados» para os ler.
Isto é, para, ao descodificá-los nos descodificarmos e ganharmos mais uma pequena parcela no caminho do auto-conhecimento em direcção à fonte.
E falo, talvez, dos nossos fugazes encontros e/ou desencontros.
Das emoções, positivas e negativas, de que tu não falas (nem tens que o fazer).
Tenho pena (apesar de não valer a pena ter pena) de não termos passado mais tempo juntos.
Será porque este não é o tempo de ou para estarmos juntos?

09 outubro 2005

Conhecem?



Os paraísos artificiais
*
Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.
*
Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores.
*
O cântico das aves — não há cânticos,
mas só canários de 3º andar e papagaios de 5º.
E a música do vento é frio nos pardieiros.
*
Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.
*
A minha terra não é inefável.
A vida na minha terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.
*
(Jorge de Sena)

07 outubro 2005

Dos sentimentos e tudo o mais encadeado nas palavras

DOS SENTIMENTOS E TUDO O MAIS ENCADEADO NAS PALAVRAS

...e o medo de falar.
Ainda mais o de escrever.
E no entanto o gesto suicida
de jogar para o papel os sentimentos
sem rever.
Porque afinal os sentimentos
não se podem rever e ajeitar.
O peso das palavras, do que digo,
que os outros me devolvem como um fardo
e porque o medo surge donde não espero
e eu hesito, se mando ou não,
se vai doer algures
e eu.... não quero
busco saber como se sente o outro.
E num gesto que é já revolta
meto tudo e mando.
Porque se não sei
que estranho mal ando espalhando
se não sei onde firo e sangro
então, melhor é deixar correr a voz que fala
e não sei donde vem,
pois as consequências não alcanço.
Mas porque o medo existe, eu falo.
Agora de mim falando, tentando
que as palavras façam sentido e eu perceba
porque tanto perigo há em falar
dizendo o que sinto, como em calar...
E assim busco
nestes pássaros loucos que voando sussuram
um som estranho
que ninguém entende.

Nem eu, que os solto, em bando!

06 outubro 2005

Texto de um candidato a emprego

Posted by PicasaO texto que se segue foi escrito por um candidato numa selecção de Pessoal na Volkswagen.
A pessoa foi aceite e seu texto está a fazer furor na Internet, pela criatividade e sensibilidade.

«Já fiz cócegas à minha irmã só para que deixasse de chorar, já me queimei a brincar com uma vela, já fiz um balão com a pastilha que se me colou na cara toda, já falei com o espelho, já fingi ser bruxo.

Já quis ser astronauta, violinista, mago, caçador e trapezista; já me escondi atras da cortina e deixei esquecidos os pés de fora; já estive sob o chuveiro até fazer chichi. Já roubei um beijo, confundi os sentimentos, tomei um caminho errado e ainda sigo caminhando pelo desconhecido.

Já raspei o fundo da panela onde se cozinhou o creme, já me cortei ao barbear-me muito apressado e chorei ao escutar determinada música no autocarro. Já tentei esquecer algumas pessoas e descobri que são as mais difíceis de esquecer.

Já subi às escondidas até ao terraço para agarrar estrelas, já subi a uma arvore para roubar fruta, ja caí por uma escada. Já fiz juramentos eternos, escrevi no muro da escola e chorei sozinho na casa de banho por algo que me aconteceu; já fugi de minha casa para sempre e voltei no instante seguinte.

Já corri para não deixar alguém a chorar, já fiquei só no meio de mil pessoas sentindo a falta de uma única. Já vi o pôr-do-sol mudar do rosado ao alaranjado, já mergulhei na piscina e não quis sair mais, já tomei whisky até sentir meus lábios dormentes, já olhei a cidade de cima e nem mesmo assim encontrei o meu lugar.

Já senti medo da escuridão, já tremi de nervos, já quase morri de amor e renasci novamente para ver o sorriso de alguém especial, já acordei no meio da noite e senti medo de me levantar. Já apostei a correr descalço pela rua, gritei de felicidade, roubei rosas num enorme jardim, já me apaixonei e pensei que era para sempre, mas era um "para sempre" pela metade.

Já me deitei na relva até de madrugada e vi o sol substituir a lua; já chorei por ver amigos partir e depois descobri que chegaram outros novos e que a vida é um ir e vir permanente.

Foram tantas as coisas que fiz, tantos os momentos fotografados pela lente da emoção e guardados nesse baú chamado coração... Agora, um questionario pergunta-me, grita-me desde o papel: " - Qual é a sua experiência?" Essa pergunta fez eco no meu cérebro. "Experiência.... "Experiência... " Sera que cultivar sorrisos é experiência? Agora... agradar-me-ia perguntar a quem redigiu o questionario: " - Experiência?! Quem a tem, se a cada momento tudo se renova?»

Post scriptum: no sábado dia 8, vai até à Cooperativa Árvore.
Vai valer a ida. Queres saber mais?Espreita aqui

05 outubro 2005

Busca do equilíbrio interior

Na busca do equilíbrio, da paz interior e da alegria procuramos no outro o que só está em nós.
Procuramos o amor ideal...
O par ideal...
A alma gémea que nos vai completar e...proteger!
Enganamo-nos a nós mesmos ao encetar uma busca com este sentido.
Partindo para uma relação com estas expectativas abrimos caminho à decepção, arriscamo-nos a destruir a relação e tudo o que de bom comporta.
O OUTRO não é um bordão onde nos amparamos. É um par, um amigo/a.
Eventualmente todos fazemos de bordão, mas isso é, deve ser, transitório.
Tudo o que buscamos no outro está em nós.
Na vida tudo é temporário. A única coisa que é eterna é a relação connosco mesmos.
Procurando dentro de nós a fonte do amor, a luz e a força, encontraremos o que buscamos e poderemos amar mais e melhor ao outro.
Aos outros.
A vida, na sua totalidade.
{Escrevo este post/reflexão a propósito de muitos textos (prosa e poemas) que leio, por aqui e por ali, em que a felicidade de quem os escreve parece estar sempre dependente de outrém.
Se a minha reflexão servir para algo aqui a deixo, com carinho.}
P.S - passem pelo meu Balãozinho deixei lá uma coisa que vale a pena ver.
2
Esqueci! Ontem foi o dia dos animais!!!

04 outubro 2005

CÓNICAS DATADAS VI

Posted by Picasa NO CINTILAR DOS DIAS -2002-04-21
“Terror –s.m. (do lat. Terror,-õris).
1.Grande medo,pavor”.
“Terrorismo –s.m. (De terror + suf. -ismo)”


As situações 1 e 2, aqui descritas, são verdadeiras e testemunhadas por pessoas amigas.
A última é pública e bem divulgada nos mídia!

1 _Uma jovem recém licenciada, casou-se.
A despedida de solteira, que queria fazer mas que encontrava sempre mil entraves, acabou por se realizar com o empenho de duas amigas e colegas.


Foi uma despedida de solteira a três vozes. Somente a três vozes.

A da noiva e a das duas amigas que não lhe deixaram esmorecer esse sonho. O jovem casal tinha em construção a futura casa.
Avaliando a divisão do espaço o noivo deixou cair: “preocupa-te com a cozinha e com a copa pois é aí que vais passar o teu tempo. O “canudo” bem o podes meter na gaveta”.
A despedida de solteira foi restrita (eufemismo) porque o noivo não autorizou o alargamento a outras e outros amigos e, na vida pós casamento, tem desenvolvido uma política sistemática de isolamento da mulher.
Todas as amigas constataram que perto do noivo ela ficava constrangida. Mais, tensa. Não era ela própria. Ficava num estado de letargia nervosa aguardando sinais dele que lhe permitissem... respirar, falar, rir.
Já é mãe!
De facto o canudo está na gaveta. Esta jovem é infeliz (diz quem a conhece e observa as suas atitudes e comportamentos) e ainda o não sabe ou pensa poder reverter a situação.


2 _ Uma jovem de 15 anos namora. Um dia tem relações sexuais com o namorado. Um acto que deveria ser de beleza torna-se um pesadelo. O namorado usa-a como uma coisa, mas não uma coisa qualquer: uma coisa sem qualquer valor. Passa a escravizá-la para obter tudo o que quer dela (sexo e dinheiro) não se coibindo, inclusive, de a maltratar fisicamente, sempre que lhe apetece, sob a coacção de: “ ou vens já ou telefono aos teus pais a contar que tivemos sexo”


3 _ Um povo com armamento e tropas super especializadas oprime outro (décadas a fio), o qual só pode manter o seu auto-respeito, não vergando a cabeça, mandando os seus filhos armadilhados para a morte.
Os segundos são terroristas. Os primeiros, que detêm um enorme poderio bélico e destroem tudo à sua passagem, o que são?
Como podemos ver, o terror tem muitas faces e eu não entendo como é que umas podem ser defensáveis.


Para mim, nenhumas o são.

02 outubro 2005

Aprendendo a olhar

Posted by PicasaAo lado podem ver, o resultado de um trabalho da Inês (neta).

Apanhei cascas de plátano no jardim e trouxe para as pintar com ela.

Ela pegava nos pincéis e nas tintas e pintava com cores a gosto. Mas não atentava nas cascas em si.

Disse-lhe: "tens que aprender a olhar. E ver"!

Olhou-me de forma interogativa. Disse-lhe que ficasse com elas na mão, tranquila, sem pressas. Olhando. Procurando a forma que lá se encontrava.

Assim o fez e descobriu que até numa simples casca, aparentemente sem forma, havia muito mais do que o olhar apressado captava.

Entre muitas coisas que pintou ofereço-vos hoje esta cabeça de pássaro.

(Desculpem estar ligeiramente desfocada. Mea culpa)

01 outubro 2005

Estava Vazia (2º e última parte)

ESTAVA VAZIA (continuação )

Continuei a caminhada, alheada agora do passeio. Do percurso. Perdido o ritmo da marcha, obcecada pela total ausência de qualquer sinal de vida na cidade.Toda a minha atenção estava focada nesta, nas portas e janelas, nas ruas, no mais breve sinal de movimento que meus olhos detectassem; nos ares, esperando senti-lo fundido pelo grito estridente de uma gaivota, atravessado pelo seu voo, planado ou picado, caindo abruptamente a pique sobre um peixe. Mas, para além de mim, e dos círculos que me rodeavam, nada mexia.
Súbito um novo remoinho se formava e começava a envolver-me. O anterior caía, num movimento espiralado, como se o vento ou as areias se cansassem e a força da gravidade as atraísse irremediavelmente para o solo.Enquanto isto acontecia o cicio, no qual me parecia distinguir palavras, era cada vez mais forte e, não sei se por os ouvidos se irem habituando, cada vez mais nítidas me soavam palavras.
Confesso que um medo primevo, do desconhecido, me ia assaltando e dominando. Dizia a mim própria que tinha que me controlar e concentrar nas palavras que me parecia identificar, pois elas trariam, por certo a chave deste enigma.
Medos ancestrais assaltavam-me a alma, e a racionalidade era a que as descargas de adrenalina permitiam. A adrenalina em excesso tem destas coisas, ou nos bloqueia, ou nos permite atingir inesperados níveis de acuidade e controlo visando a sobrevivência. Penso que foi o que me aconteceu. Uma grande calma desceu sobre mim, apesar da estranheza do mundo em que me encontrava.
Continuei a caminhada, embora sabendo que deixara de ter qualquer sentido, pois seria mais importante voltar à cidade, tocar às campainhas, bater às portas, telefonar para números ao acaso até alguém me responder. Sei lá, fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para a acordar e repor no costumeiro frenesim.
Continuei a andar pelo areal, mas os olhos estavam presos à cidade, via os redemoinhos de vento e areias espalharem-se pelas ruas, cada vez mais no coração da cidade, e elevarem-se cada vez mais altos, em rodopios de espiral, acompanhado a altura dos edifícios, ultrapassando-os mesmo, em muitos pontos. Desta forma pude acompanhar o seu percurso pelas ruas e pareceu-me que obedeciam a um padrão. Que se deslocavam para um ponto preciso da mesma onde todos confluiriam no instante exacto.
Enquanto isto, desatendera os sons, vozes ciciadas que dançavam ao meu redor. Cada vez mais parecia-me ouvir o meu nome, como que cantado numa lenga-lenga, entremeado de outras palavras que tinha dificuldade em discernir. Por instantes havia-me concentrado nos sons.
Voltei a atenção para a cidade e vi-a agora também deserta dos remoinhos de ventos e areia. Só lá, num ponto alto da mesma, se elevava um remoinho gigantesco para onde todos tinham confluído.
Um arrepio percorreu-me, corpo e alma irmanados no frio gélido.
Tanto quanto a vista e o sentido de orientação me diziam aquele imenso rodopio, qual gigantesca tromba de areias dançantes, estava diante de minha casa e o cicio já o não era, antes uma voz grave, que dizia, claramente pronunciado, o meu nome, que me chamava e, num rompante investiu contra a porta. Senti a violenta pancada, o chão estremeceu até mesmo no areal debaixo dos meus pés, e era como se os ventos e as areias tivessem mil punhos que martelassem a porta enquanto, num crescendo, chamavam o meu nome, mais alto, mais alto e mais forte.
Acordei estremunhada, o despertador tinia furioso e minha mãe chamava-me.
Eram horas de acordar e ir para a faculdade.