11 novembro 2004

FRAGMENTOS 1

SnorkelGuiadas as águas do corpo, pelo brando rumor do mar, caminhou até à praia.
Cerrado, espesso e frio o nevoeiro. Invisível o mundo. Só por este secreto diálogo, das águas presas às águas correntes é a orientção possível.
Ouve as vozes das carpideiras.
Por elas sabe que chegará à praia. Lugar de todos os inícios.
É cada vez mais espesso o nevoeiro. O vento arrasta grandes e geladas núvens brancas que a atravessam como a um corpo imaterial.
Avolumam-se as vozes das carpideiras.
Estão por todo o lado. Como o nevoeiro.
Não se lhes vê a origem.
O doloroso choro é o único som existente no mundo. Nada se ouve para além dele. Envolvente, gritado e sustido por dezenas de vozes.
Como um arrepio arranha tudo o que alcança.
O volume aumenta e diminui numa cadência de dor, sempre presente,sempre sustida; em todos os lugares, mesmo no mais espesso leito do nevoeiro.
Às cegas caminha pela praia. Procura as carpideiras, mas o seu choro é tão espesso como o nevoeiro, sempre tão perto e tão intocável. Toca-nos, mas não nos permite tocar-lhe.
Fugidio. Errante e no entanto envolvente como um útero, não lhe permite alcançá-las.
Tudo passa por ela como por um ser incorpóreo. Caminha sempre.
O frio envolve-a cada vez mais. Não é possível a orientação naquele muro gritado, opaco de dor e nevoeiro.
Cortante como gume de gelo.

(Do livro: FALAR MULHER)








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