30 outubro 2005
A mulher continua a habitar a casa
O calendário indica que o ano se está a esgotar.
A mulher continua a habitar
a casa. A circular por ela.
A limpá-la, a abrir as janelas
para que o ar e o sol
a penetrem.
Senta-se, por vezes, ao sol,
nas varandas da casa.
Pega nos livros e lê.
Às vezes perde-se nos pensamentos.
Esquecidos os livros
nas mãos distraídas.
Descobriu, hoje, que o ano está
a chegar ao fim.
Uma certa estranheza invadiu-a.
Não se lembra do passar dos meses...,
não lembra quando foi à rua
pela última vez....Há já muito
tempo que não sai dos limites
da casa.
Lembrou-se ainda que o telefone
nunca toca. Nunca ninguém
telefona,
a saber dela, para falar com ela....
Em verdade também não
se tem lembrado de ligar
a ninguém....
Persiste-lhe a estranheza. Se
o ano se está a esgotar, se
se levanta, come, bebe, dorme
e habita dentro da casa, como é
possível fazê-lo durante tanto tempo
sem nunca sair à rua?
Sem que os amigos estranhem a sua
ausência e telefonem?
Não sabe explicar a estranha
situação.
Serena levanta-se da cadeira
que ocupa à secretária e vai sentar-se
na varanda, ao sol.
Sente frio.
Só se sente bem ao sol.
Habita a casa onde viveu, a mulher.
Desconhece que morreu.
Por TMara, do livro: FALAR MULHER:48-49
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17 comentários:
...E esse desconhecimento, mantém-na viva!
Um beijo, TMara!
Fiquei arrepiada com este post. Quase me parece que o sinto na pele.
Já conhecia o poema, e é lindo. Permite várias leituras. Mas é o retrato da realdade mais crua.
Bjs
A Solidão..............está tão bem descrita aqui. Às vezes é tão profunda que nem damos por ela, ou seja, sentimos falta de algo mas não sabemos identificar. Transforma-se num habito que não se consegue quebrar.
Graças a Deus nunca senti a solidão até porque tenho tantos amigos que não me deixam senti-la (e uma familia ultra numerosa tb) mas conheci muita gente com essa carga penosa.E tanto se habituavam a ela, embora sofressem, que não sabiam como combatê-la.
Gostei imenso deste poema que aqui partilhaste
Beijinhos
Zica
belo e profundo, a imagem perfeita da solidão
gostei de o ler e obrigada por o partilhares aqui
bom domingo para ti
ficam beijinhos meus
lena
quando nos apartamos do mundo tornamo-nos um mundo à parte... vivemo-lo como se fosse só nosso, deixamos de nos aperceber de coisas tão simples como estar vivos... lindo este excerto, o livro deve ser belo... jinhuz e bom domingo...
Bem...mas que texto tão profundo!Realmente quando se sente o k se escreve é de louvar,mas neste caso se ao escreveres o estavas a sentir...espero k não o seja por muito tempo!Precisas de mais luz, de mais espaço, de mais calor!Só procurando o obterás!Beijo
O Luar...
Há aqui tantas leituras!
aiii esse final arrepiou-me.. gostei :)
beijito
Este poema retrata um viver ilusório, onde já não se vive e apenas se espera, o que nem se sabe. Bom trabalho este poema. Beijinhos.
Entendo esse desespero de alguém que rotineiramente vive a sua solidão!
Querida TMara
Não me surpreende esta sensibilidade transporta para as palavras... acho que a conheço.
Um beijo
Daniel
Claro que é bom uma certa quietude, um cero ensimesmamento, um breve isolamento...o estar-se só nunca é grave. Neste caso que aqui é relatado há um abandono que parece ser consciente mas é também muito mais do que isso...excessivamente desprendido.
De qualquer modo, gostei do texto.
Bjs
Estou aqui novamente para dizer, Obrigada pela mensagem de felicitação que deixou no AQUI. Beijinhos.
e quantas há por aí?
estranhas mulheres e casas estranhas...
adorei.
Por isso todos os dias devemos agradecer por estarmos vivas e fazer por sentir que o estamos e não apenas existir, mas tentar viver realmente...
Beijinhos*
Entalhados a navalha afiada, tais versos, como bem disseram HFM e AL, permite várias leituras - todas elas belíssimas e doloridas.
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