01 outubro 2005

Estava Vazia (2º e última parte)

ESTAVA VAZIA (continuação )

Continuei a caminhada, alheada agora do passeio. Do percurso. Perdido o ritmo da marcha, obcecada pela total ausência de qualquer sinal de vida na cidade.Toda a minha atenção estava focada nesta, nas portas e janelas, nas ruas, no mais breve sinal de movimento que meus olhos detectassem; nos ares, esperando senti-lo fundido pelo grito estridente de uma gaivota, atravessado pelo seu voo, planado ou picado, caindo abruptamente a pique sobre um peixe. Mas, para além de mim, e dos círculos que me rodeavam, nada mexia.
Súbito um novo remoinho se formava e começava a envolver-me. O anterior caía, num movimento espiralado, como se o vento ou as areias se cansassem e a força da gravidade as atraísse irremediavelmente para o solo.Enquanto isto acontecia o cicio, no qual me parecia distinguir palavras, era cada vez mais forte e, não sei se por os ouvidos se irem habituando, cada vez mais nítidas me soavam palavras.
Confesso que um medo primevo, do desconhecido, me ia assaltando e dominando. Dizia a mim própria que tinha que me controlar e concentrar nas palavras que me parecia identificar, pois elas trariam, por certo a chave deste enigma.
Medos ancestrais assaltavam-me a alma, e a racionalidade era a que as descargas de adrenalina permitiam. A adrenalina em excesso tem destas coisas, ou nos bloqueia, ou nos permite atingir inesperados níveis de acuidade e controlo visando a sobrevivência. Penso que foi o que me aconteceu. Uma grande calma desceu sobre mim, apesar da estranheza do mundo em que me encontrava.
Continuei a caminhada, embora sabendo que deixara de ter qualquer sentido, pois seria mais importante voltar à cidade, tocar às campainhas, bater às portas, telefonar para números ao acaso até alguém me responder. Sei lá, fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para a acordar e repor no costumeiro frenesim.
Continuei a andar pelo areal, mas os olhos estavam presos à cidade, via os redemoinhos de vento e areias espalharem-se pelas ruas, cada vez mais no coração da cidade, e elevarem-se cada vez mais altos, em rodopios de espiral, acompanhado a altura dos edifícios, ultrapassando-os mesmo, em muitos pontos. Desta forma pude acompanhar o seu percurso pelas ruas e pareceu-me que obedeciam a um padrão. Que se deslocavam para um ponto preciso da mesma onde todos confluiriam no instante exacto.
Enquanto isto, desatendera os sons, vozes ciciadas que dançavam ao meu redor. Cada vez mais parecia-me ouvir o meu nome, como que cantado numa lenga-lenga, entremeado de outras palavras que tinha dificuldade em discernir. Por instantes havia-me concentrado nos sons.
Voltei a atenção para a cidade e vi-a agora também deserta dos remoinhos de ventos e areia. Só lá, num ponto alto da mesma, se elevava um remoinho gigantesco para onde todos tinham confluído.
Um arrepio percorreu-me, corpo e alma irmanados no frio gélido.
Tanto quanto a vista e o sentido de orientação me diziam aquele imenso rodopio, qual gigantesca tromba de areias dançantes, estava diante de minha casa e o cicio já o não era, antes uma voz grave, que dizia, claramente pronunciado, o meu nome, que me chamava e, num rompante investiu contra a porta. Senti a violenta pancada, o chão estremeceu até mesmo no areal debaixo dos meus pés, e era como se os ventos e as areias tivessem mil punhos que martelassem a porta enquanto, num crescendo, chamavam o meu nome, mais alto, mais alto e mais forte.
Acordei estremunhada, o despertador tinia furioso e minha mãe chamava-me.
Eram horas de acordar e ir para a faculdade.

10 comentários:

Pecola disse...

Bom fim de semana, TMara! =o) Hora de sonhar mais um pouco.. ;)

isabel mendes ferreira disse...

bom dia doce "cheio". belo texto. beijo e bom sábado....

Daniel Aladiah disse...

Querida TMara
Belo texto, em prosa poética, com tudo aquilo que é belo num sonho.
Um beijo
Daniel

Raquel Vasconcelos disse...

"Ohhhh..." tive pena q assim terminasse...

Uma adjectivação fantástica, sem sensação de exagero! Excelente, ao meu jeito! Gostei muito de ler (li os dois). Fabulosa escrita!

Um beijão!

Å®t Øf £övë disse...

TMara,
Gostei bastante de ler este teu conto em forma de sonho, com algumas analogias bem actuais.
Parabéns.
Bom domingo.
Bjs.

Ana disse...

Mesmo em sonhos, caminhamos!
Gostei do teu texto... um crescendo de emoções!
Beijo.

agua_quente disse...

Li os dois posts, amiga, para não perder nada do teu conto. Um ambiente quase do foro do fantástico muito bem (d)escrito. Gostei muito. beijos

lique disse...

Gostei muito, amiga. Um ambiente de filme fantástico, com a qualidade da tua escrita. Beijinhos e bom resto de domingo

Anónimo disse...

Prendeste-me do início ao fim! Gostei, muito!
Um beijo.

Anónimo disse...

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