02 junho 2005

Porquê?

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PORQUÊ?



Sentia a alma amarrotada. Como frágil coisa quebrada, papel tantas vezes dobrado e desdobrado, encarquilhado em tensas mãos e novamente alisado só para voltar a sofrer a pressão imensa da mão potente que o reduzia a nada para, com carinho e avidez, o desdobrar, o alisar de novo e voltar a amarfanhar entre os potentes dedos.

Assim sentia a alma.
Cheia de dobras e pregas. De marcas quase atingindo a ruptura, fragilizadas por estas tensões de loucura, estas forças que o dilaceravam, joguete de si próprio e dos outros.
Sabia que só dele dependia mudar o que sentia, mudar esta dor, esta forma de viver sempre no limiar da destruição. Da auto-destruição, disse de si para si.

Tempo houve em que pensou depender a sua vida dos outros. Porquê continuar a iludir-se? Porquê pensar, falar, de forma abstracta, dizer
“outros”, se em verdade era a Maria Lúcia que se referia. Aliás que tudo nele se referia. Pensava, sentia, respirava, ansiava por ela.

Maria Lúcia!

Disse o nome devagar enrolando as sílabas com a língua, saboreando-as, como que sentindo o fresco perfume da carne dela na sua boca. E se o prazer o invadiu por breves segundos a dor foi lancinante e continuada sentindo a alma rasgar-se num crepitar de frágil papel queimado.

Qual o sentido, o objectivo de assim se martirizar?
Maria Lúcia partira. Dera novo rumo à vida e nunca, mas nunca fora desleal com ele. De onde lhe vinha esta angústia, esta dependência total que o anulava, o desfazia vezes sem conta, deixando-o, a cada dia, mais desligado do mundo, das pessoas, da vida, porque alienado na sua obsessão?

Por vezes, um assomo de lucidez apanhava-o desprevenido e ouvia dentro de si uma voz (a sua) que lhe dizia:
“Vá lá, foi bom enquanto durou! Acabou! Há anos que acabou, que ela partiu, que a não vês..., o que pretendes fazer a ti mesmo?”
Mas estes momentos eram fugazes pois logo lhes impunha a sua obsessão por Maria Lúcia como se não pudesse respirar sem ela – o que era mentira, pois há vinte e dois anos que partira e se ele deixasse de respirar teia morrido na hora – o que não era o caso pois bem sentia a caixa torácica subir e descer, enchendo-se de ar e expelindo-o. Nem deixara de dormir, fora algumas insónias, mas estas sempre o acompanharam desde a adolescência.

Parecia comprazer-se no auto-sofrimento infligido.
Questionava-se: “
porquê”, mas logo cortava este fio de raciocínio para voltar ao sofrimento.

Encontrara a sua forma de felicidade miserável e nela se comprazia destruindo-se.



(Por TMara)

10 comentários:

Anónimo disse...

A saudade pode destruir se não soubermos arrumá-la num cantinho especial do nosso coração para podermos seguir em frente sem depender de um nome para o fazer. Mas há quem só saiba (sobre)viver assim... Muito bonito, TMara. Quantos de nós não sentimos já a alma assim? Amarrotadinha. Beijo grande.

Anónimo disse...

Muito realista este teu pensar, gostei!! A vida está repleta de porquês...os nossos e os dos outros que muitas das vezes não conseguimos entender.
Temos que saber lidar com eles, ultrapassá-los, seguir em frente. Beijinho :)

Unknown disse...

A mulher moderna, a trintona/quarentona dos dias de hoje, tem pouco - para não dizer nada - a ver com as suas leituras afuniladas. Experimente ler este blogue para perceber como é que as coisas se passam hoje em dia na cabeça de uma mulher, mãe, profissional, uma mulher normal. Vai ver que a leitura de caos mental é diametralmente oposta à sua. Mas, a actualização no tempo é saudável.

http://www.passeaiflores.blogspot.com/

Conceição Paulino disse...

blahblahblah - talvez se ler um pouco mais a psivcologia dos nossos dias saiba k este é um problema (infelizmente)muito actual e k está a merecer muita atenção nos países + desenvolvidos (economicamente) por estar a constituir-se em problema social.Há sempre + do k ua corrente de análise do real e Deuss nos livre dos omniscientes. Visitarei o blog, como o seu também. Obrigada pela dica.

Anónimo disse...

  Ω  TMara [...] a saudade como estado de alma  Ω  é algo que não nos escapa  Ω  é como se fosse um "Worm" social  Ω  e como tal; cada um de nós tem de saber  Ω  conviver com ela.  Ω  Acho, repito [...] acho que nunca cheguei a esse limite, mas nunca se sabe  Ω  o dia de amanhã.  Ω

  ∇ Beijocas e inté ∇

isabel mendes ferreira disse...

só para saudar a argúcia e a sensibilidade mesmo que se diga que não é tanto assim,´às vezes é mesmo só assim. ao norte nesse norte magnifico onde me parece que vive, vive também a força de uma certa inteligência que me dexa sempre rendida. Parabéns. e fiquei fã "daqui"...pode-se voltar? ou fica-se a moer a saudade? abraço de lisboa.

isabel mendes ferreira disse...

(olha parece que me esqueci de um i no deixa,,,,desculpas) coisas do sul.

Anónimo disse...

ora ai está uma pergunta k eu n faço muito..como e calo lool :P

BlueShell disse...

Fiquei um tempão a ler o texto e a pensar sobre cada coisa que nele se diz. Riquíssimo, este texto. Há muitos casos assim. E a recordação é um martírio...quase desejado...

Grata; beijos mil, BShell

Anónimo disse...

At 11:14 AM, TMara said...
blahblahblah - talvez se ler um pouco mais a psicologia dos nossos dias saiba k este é um problema (infelizmente) muito actual e k está a merecer muita atenção nos países + desenvolvidos (economicamente) por estar a constituir-se em problema social.(...)Deus nos livre dos omniscientes.

Tá a ver? Lá está a inferir no mesmo erro outra vez. Ah! A omnisciência. Sabe que os defensores da nova ordem mundial, o ressurgimento do nazismo e a tentativa de realilitação da memória de Estaline tambem são fonte de preocupação nos países económicamente mais desenvolvidos, não porque sejam própriamente uma ameaça mas porque tem uma estrutura consolidada que lhes permite darem atenção a essas questões. E as questões minoritárias nunca fizeram o exemplo, são sempre a excepção que confirma a regra.

Com o devido respeito, devolvo-lhe o conselho: Talvez a Tmara fazer uma leitura mais abrangente da psicologia dos nossos dias...