20 junho 2005

Composição de português

Para quem goste de gramática da língua portuguesa...
Esta é uma redacção feita por uma aluna do curso de Letras, da UFPE
Universidade Federal de Pernambuco - Recife) e que obteve vitória num
concurso interno promovido pelo professor titular da cadeira de Gramática
Portuguesa.


"Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam
no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns
anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido,
feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado
nominal.

Era ingénua, silábica, um pouco á tona, até ao contrário dele:
um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras
e filmes ortográficos.

O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem
ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a insinuar-se,
a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado,
e permitiu esse pequeno índice.
De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: óptimo, pensou o
substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos.
Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador
recomeça a movimentar-se: só que em vez de descer, sobe e pára justamente
no andar do substantivo.


Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.
Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma
fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para
ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num
vocativo, quando ele começou outra vez a insinuar-se. Ela foi deixando, ele
foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um
imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo
directo. Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário, e ele
sentindo seu ditongo crescente.Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula,
que nem um período simples passaria entre os dois.

Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula. Ele não
perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo.
É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente
oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois géneros. Ela
totalmente voz passiva, ele voz activa. Entre beijos, carícias, parónimos e
substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa
próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objecto, ia tomando conta.

Estavam na posição de primeira e segunda pessoas do singular: ela era um
perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu
grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu
repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício.Ele tinha percebido tudo,
e entrou dando conjunções e adjectivos nos dois, que se encolheram
gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas, ao
ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor, subtónica, o
verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na
história.

Os dois olharam-se, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por
todo o edifício. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo:
era um superlativo absoluto.
Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele
predicativo do sujeito apontado para seus objectos. Foi chegando cada vez
mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo
claramente uma mesóclise-a-trois. Só que, as condições eram estas: enquanto
abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e
culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.

O substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido
depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final
na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela
janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o
artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva."

Post-scriptum: a todas e todos que me visitam e cujas casa visito, as minhas desculpas pela ausência mas estive 4 dias sem poder aceder à internet.Espero que a situação fique normalizada a partir de hoje .
Boa semana:)

17 comentários:

SL disse...

Estiveste 4 dias e eu 2 semanas inteiras...mas pronto, cá estou de volta. Jinhos grandes, obrigada pelas palavras de apoio deixadas lá em casa.

Anónimo disse...

É bom saber que estás de volta. Desejo-te uma boa semana...beijinhos :))

Amaral disse...

A língua portuguesa e a sua gramática proporcionam coisas espantosas como esta! Ganhou com todo o mérito, certamente, porque é deliciosa a leitura. Parabéns!

Anónimo disse...

eu gostei bastante do texto...a lingua portuguesa permite um jogo de palavras incrivel..adoro mm :)

Anónimo disse...

Espantoso este texto!! É bom saber que estás de volta e que está td bem;)
Beijokas*

Daniel Aladiah disse...

Querida TMara
Texto extraordinário, merecedor do prémio. Bem-vinda.
Um beijo
Daniel

maresia disse...

posso linkar lá na onda?

maresia disse...

já agora, mais um "a" e terias uma das múscas mais sensuais do Palma escrita para ti!!
(...) Oh, Tamara
se algum pintor reproduzir a tua imagem, tem de captar a tua voz
tão sensual. Tem de saber pintar o ritmo dos teus pés em movimento, que mais parecem querer voar, oh, Tama, Tama, Tama, Tamara (...)
em: http://www.jorgepalma.web.pt/letra1006.htm

lique disse...

Fantástico! Um texto imaginativo e revelador de um grande talento. Ganhou certamente com muito mérito. beijinhos

agua_quente disse...

Que texto delicioso! É bom ter-te de volta, amiga. Beijos

Eva Lima disse...

Lindo!

Boa semana
bjinho

mfc disse...

Como se pode fazer um quase poema, uma quase balada com vocábulos gramaticais....
Lindo de se ler.

Ana disse...

Uma prova que a gramática também tem poesia.
Beijo.

Micas disse...

Sublime, como se podem fazer coisas fantásticas com a gramática. Beijinho

Dra. Laura Alho disse...

Já conhecia o texto, mas nunca é demais dizer que está genial! :)

Um beijinho grande *

Anónimo disse...

Enviaram-me este texto por mail...fiquei extasiado!::: A pessoa que o escreveu é sem dúvida detentora de uma imaginação expectacular! Bjitos!!!

Anónimo disse...

Viva! Finalmente uma oportunidade de voltar ao teu Blogue. Estou, pois de volta, com prazer, depois de mais uma caminhada por outras paragens como, aliás, vem sendo uma constante.

A história foi muito bem escolhida e o prémio atribuido bem merecido. A nossa língua de facto é única.
Até breve.
25.06.05
António Durval