Cunhal e Eugénio embelezam-nos o dia!
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certezade
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
15 comentários:
É um adeus desconsolado, sombrio. O passado não pode ser tão inútil assim. Agrupando todos os momentos vividos, podemos encontrar Aquilo que faz o universo avançar e evoluir. Queiramos ou não, a natureza "sabe" o que tem a fazer!...
Adeus não, Eugénio de Andrade...até breve, tenho-te em livro com a alma que lá deixaste:-)Bjitos Mara
Duas pessoas que perdurarão no tempo,sem dúvida alguma!! Beijo grande
Olá,
Bela homenagem. Que delicadeza, que poema belíssimo!
"Todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no meu coração"
Bjokass *.*
Escolheste um poema muito lindo para esta homenagem. Não é um adeus é mais um até sempre...
bjinho
gosto tanto tanto deste poema!
lindo, lindo, lindo este poema.. :)
A minha sincera homenagem e admiração pelo poeta Eugénio de Andrade ... poeta do amor e do corpo ... e o meu respeito pelo homem coerente que foi Alvaro Cunhal !!
Pescador
Há homens e mulheres cuja estirpe jamais morrerá.
É o caso destes dois homens ímpares.
Beijinho
Uma delícia como não poderia deixar de ser, Tmara.
Bjs
As dele nunca se gastarão, sempre novas a cada olhar que as leia pela primeira vez. E guardadas com todo o cuidado no de quem já as leu muitas vezes. Beijinho grande, amiga.
Uma bela e merecida homenagem, a que aqui lhes prestas. Beijinho
Um abraço que envolva os três, eles e tu!
Já tinha saudades de visitar a tua página! Puxa alguns dias fora e uma pessoa perde uma série de posts!! Mara, bonita homenagem a ambos! Jamais serão esquecidos.
Beijokas*
Serão lembrados, sempre. Porque o povo tem memória, como se viu hoje no funeral de Álvaro Cunhal. Beijinhos
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