Aqui vos deixo um excerto de um livro que me deu muito prazer ler:
“ Não conheço aquele homem parado na margem do rio, respirando fundo e sorrindo ao reconhecer os odores que viajam pelo ar. Não o conheço, mas sei que aquele homem é meu irmão.
Aquele homem que sabe que o pólen viaja preso à arbitrária vontade do vento, mas confiante e a sonhar com a fértil terra que o espera, aquele homem é meu irmão.
E o meu irmão sabe muitas coisas. Sabe, por exemplo, que um grama de pólen é como um grama de si mesmo, docemente predestinado ao lodo germinal, ao mistério daquilo que se erguerá vivo de ramos, de frutos e de filhos, com a bela certeza das transformações, do começo inevitável e do necessário final, porque o que é imutável encerra o perigo do eterno, e só os deuses têm tempo para a eternidade.
Aquele homem que empurra a sua canoa sobre a praia de areia fina e se prepara para receber o milagre que em cada entardecer abre na selva as portas do mistério, aquele homem é necessariamente meu irmão.
Enquanto a subtil resistência da luz diurna se deixa vencer amorosamente pelo abraço da penumbra, escuto-o a murmurar as palavras exactas que a sua embarcação merece: encontrei-te quando não passavas de um ramo, limpei o terreno que te rodeava, protegi-te do caruncho e da térmita, orientei-te a verticalidade do tronco e, ao deitar-te abaixo para fazer de ti o meu prolongamento na água, a cada machadada marquei também uma cicatriz nos meus braços. Depois, já na água, prometi que havíamos de continuar juntos a viagem começada no teu tempo de semente. E cumpri. Estamos em paz.
Então, aquele homem vê como tudo muda, como se transforma no preciso instante em que o sol se cansa de ser mil vezes diminuto, multiplicado nas escamas de ouro que os ribeiros arrastam.
(...) aquele homem que dispõe na praia os seus amuletos protectores, as pedras verdes e azuis que manterão o rio no seu lugar, aquele homem é meu irmão, e com ele olho para a lua que se mostra de vez em quando entre as nuvens banhando de prata as copas das árvores. Oiço-o murmurar: Tudo é como deve ser. A noite aperta a polpa dos frutos, desperta o desejo dos insectos, acalma a inquietação das aves, refresca a pele dos répteis, põe os vaga-lumes a dançar. Sim. Tudo é como deve ser.
(...) aquele homem que espalha agora sobre a areia as sementes de tudo o que cresce no seu território de origem, para depois estender sobre elas o corpo fatigado, aquele homem é meu imprescindível irmão.
Duras são as sementes do cusculí, mas irão trazer para os seus sonhos todas as bocas ansiosas que receberam o seu sabor agridoce no tempo do amor. Ásperas são as sementes do urucuzeiro, mas a sua polpa vermelha adornou as caras e os corpos das eleitas. Dolorosas são as sementes da yahuasca, porque talvez assim disfarcem a doçura do licor que produzem e que, bebido com a ajuda dos velhos sábios, dissipa o tormento das dúvidas sem entregar as respostas, antes enriquecendo a ignorância do coração.(....)SEPÚLVEDA, Luís, 2000, AS ROSA DE ATACAMA, ASA ED., PORTO,(pp,10:12)
“ Não conheço aquele homem parado na margem do rio, respirando fundo e sorrindo ao reconhecer os odores que viajam pelo ar. Não o conheço, mas sei que aquele homem é meu irmão.
Aquele homem que sabe que o pólen viaja preso à arbitrária vontade do vento, mas confiante e a sonhar com a fértil terra que o espera, aquele homem é meu irmão.
E o meu irmão sabe muitas coisas. Sabe, por exemplo, que um grama de pólen é como um grama de si mesmo, docemente predestinado ao lodo germinal, ao mistério daquilo que se erguerá vivo de ramos, de frutos e de filhos, com a bela certeza das transformações, do começo inevitável e do necessário final, porque o que é imutável encerra o perigo do eterno, e só os deuses têm tempo para a eternidade.
Aquele homem que empurra a sua canoa sobre a praia de areia fina e se prepara para receber o milagre que em cada entardecer abre na selva as portas do mistério, aquele homem é necessariamente meu irmão.
Enquanto a subtil resistência da luz diurna se deixa vencer amorosamente pelo abraço da penumbra, escuto-o a murmurar as palavras exactas que a sua embarcação merece: encontrei-te quando não passavas de um ramo, limpei o terreno que te rodeava, protegi-te do caruncho e da térmita, orientei-te a verticalidade do tronco e, ao deitar-te abaixo para fazer de ti o meu prolongamento na água, a cada machadada marquei também uma cicatriz nos meus braços. Depois, já na água, prometi que havíamos de continuar juntos a viagem começada no teu tempo de semente. E cumpri. Estamos em paz.
Então, aquele homem vê como tudo muda, como se transforma no preciso instante em que o sol se cansa de ser mil vezes diminuto, multiplicado nas escamas de ouro que os ribeiros arrastam.
(...) aquele homem que dispõe na praia os seus amuletos protectores, as pedras verdes e azuis que manterão o rio no seu lugar, aquele homem é meu irmão, e com ele olho para a lua que se mostra de vez em quando entre as nuvens banhando de prata as copas das árvores. Oiço-o murmurar: Tudo é como deve ser. A noite aperta a polpa dos frutos, desperta o desejo dos insectos, acalma a inquietação das aves, refresca a pele dos répteis, põe os vaga-lumes a dançar. Sim. Tudo é como deve ser.
(...) aquele homem que espalha agora sobre a areia as sementes de tudo o que cresce no seu território de origem, para depois estender sobre elas o corpo fatigado, aquele homem é meu imprescindível irmão.
Duras são as sementes do cusculí, mas irão trazer para os seus sonhos todas as bocas ansiosas que receberam o seu sabor agridoce no tempo do amor. Ásperas são as sementes do urucuzeiro, mas a sua polpa vermelha adornou as caras e os corpos das eleitas. Dolorosas são as sementes da yahuasca, porque talvez assim disfarcem a doçura do licor que produzem e que, bebido com a ajuda dos velhos sábios, dissipa o tormento das dúvidas sem entregar as respostas, antes enriquecendo a ignorância do coração.(....)SEPÚLVEDA, Luís, 2000, AS ROSA DE ATACAMA, ASA ED., PORTO,(pp,10:12)
4 comentários:
Olá ^_^ é para te deixar um oi e agradeceer pelo coment :) ** jinhu
Lana, volta smpr. Bjs e ;)
Mais um para ler assim que o tempo se tornar mais longo...
beijos
Ôi, Contador de histórias. O tempo é uma construção. Temos k aprender a esticá-lo. Por mim falo.
Bjs ;)
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