07 dezembro 2011

Novos contributos - Poema/convite e desafio

6.
Ouço o som do desencantamento

ouço o som do desencantamento
a crescer, a encher-me os ouvidos,
a estalar, a subir pela boca,
a atingir o cérebro em pressão
e incandescência ao ponto da loucura

ouço o som do desencantamento
que em mim começa
e em mim existe
por permitir
                 a infância
                 o amor
                 a esperança

ouço o som do desencantamento
sinto-lhe o gosto sempre a seco 
na boca
árida de palavras

ouço o som surdo do vosso desencantamento
vejo-o rebentar nas pupilas abertas
em explosões de luz e som.

O desencantamento
|o meu e o vosso|
têm pontos comuns

sinto-lhe o gosto que detesto    

 Conceição Paulino,
 in O meu País é um Sonho Sonhado,
No, la pintura no está hecha para decorar las habitaciones. Es un instrumento de guerra ofensivo y defensivo contra el enemigo. ("Não, a pintura não está feita para decorar casas. Ela é uma arma de ataque e defesa contra o inimigo.")
Cquote2.svg
 Pablo Picasso, sobreGuernica




Delírio
Cada dia que passa, o mundo é mais pequeno.

As notícias que chegam, desnudam as misérias paridas pelo incensado avanço duma civilização que se reclama, aos quatro ventos, dos direitos humanos.
A civilização que, num frenético leilão, compra e vende consciências.
A civilização que avilta a dignidade em chás de caridade e em paradas de pompa e circunstância.
Ah, e como as pantalhas de todas as latitudes disputam, como as feras, a presa indefesa, em ações concertadas de eficaz e paciente anestesia!
Ah, e como a presa indefesa e quase inerme voga na corrente dum recuperado Hades, donde foi banido Caronte e a sua barca!...


É preciso vender! É urgente vender! É inadiável vender, cada vez a preços mais acessíveis, as manhãs sem sol, o mar sem vida nem aventura, a desgraça sem fim da desesperança!

É preciso vender! É urgente vender! É inadiável vender o elixir da alienação, para, mais e mais, ser garantida a ostentação dos poderosos!

É preciso vender! É urgente vender! É inadiável vender as lotarias que fazem um rico e desesperam milhões de pobres!

É preciso vender! É urgente vender! É inadiável vender balelas coloridas que distraiam o dia sem fim e torturam de sonhos a noite da vida!

É preciso lamentar! É urgente lamentar! É inadiável lamentar o luto dos sobreviventes da catástrofe!

É preciso chorar! É urgente chorar! É inadiável chorar o pranto continuado das carpideiras que, por trinta dinheiros, elegem heróis os mortos, os mortos que já nada podem reclamar aos vendedores de ilusões e mentiras e aos carcereiros desta penitenciária de segurança provada, que pretende a fuga impossível e a morte o alívio que resta!

É preciso calar! É urgente calar! É inadiável calar os gritos lancinantes dos condenados!

É preciso calar! É urgente calar! É inadiável calar as verdades alucinadas da loucura que ainda grita que o rei vai nu na força da vontade que recusa render-se!

É preciso incensar o Poder! É urgente incensar o Poder! É inadiável incensar o Poder que legitima as cruzes intemporais de todos os calvários!

É preciso regressar a Roma! É urgente regressar a Roma! É inadiável regressar a Roma e recrucificar todos os perigosos malvados que sabem conjugar o verbo em todos os tempos.
 Gabriel de Fochem

Viana de Fochem
Julho de 2010

1 comentário:

jorge vicente disse...

Muito, muito boas palavras de raiva e revolta! É urgente criar um Mundo Novo!

abraços aos dois
jorge vicente