15 setembro 2005

Crónicas Datadas- IV

CRÓNICAS DATADAS - IV


NO CINTILAR DOS DIAS

Ou, a partir de hoje:

“A ESTRANHEZA DOS DIAS” (2003.04.01)

DA ESTRANHEZA I _Os dias sucedem-se, matematicamente organizados, em semanas, meses e anos.

As estações, com algumas alterações que as fazem parecer mais estranhas do que as de há umas dezenas de anos, continuam a suceder-se trazendo-nos as belezas próprias de cada uma e o maravilhamento do mundo.

No entanto, se olharmos atentamente, descobrimos, ou pensamos fazê-lo, que há uma “estranheza” nesta regularidade que nos dá confiança e segurança anulando espaços de imponderabilidade e levando-nos a pensar que a vida é um rio que flúi, com os seus acontecimentos, uns menos bons do que outros, mas que flúi numa sucessão de vida e de vidas de que a morte é só uma componente, embora dolorosa .

A mudança de nome destas crónicas tem a ver com esta estranheza total que a vida comporta e que tendemos a esquecer, acomodados nos nossos quotidianos, apesar das violências várias que grassam no seio das sociedades em geral e, particularmente em momentos de muita dor e sofrimento para milhões de seres tão humanos e tão iguais a nós, na essência, como se de nós mesmos se tratasse, em zonas localizadas desta “bola” azul que navega, na imponderabilidade do cosmo e do caos criador.

A violência, seja qual for a forma sob que emerge é, para mim, um motivo de grande, absoluta e total estranheza que me leva a, cada dia, repensar a minha visão do mundo e dos seres estranhos que o habitam e que se intitulam a si próprios “humanos” e se crêem reis desse mundo que os gera, acolhe, alimenta e sustêm, em todos os planos e aspectos.

DA ESTRANHEZA II _ O foro privado da vida das pessoas, sob muitos aspectos, tornou-se público. Entramos no quotidiano das pessoas e nos seus conflitos ou afectos, sem a eles sermos chamados e contra vontade. Para tal contribuem: por um lado o uso dos telemóveis nas ruas, transportes públicos, cafés e restaurantes, jardins e praças, enfim, em todos os locais que são considerados “públicos” porque comuns. Por outro lado o limiar do contacto físico e de expressões de afecto elevou-se a uma fasquia alta, dada a abertura verificada. E, no entanto, a estranheza assaltou-me quando vi um gesto simples, mas embebido de um carinho, de uma profundidade incomuns, entre duas pessoas idosas. Mais do que o toque das mãos, mais do que o afagar do rosto foi a densidade dos gestos, o cuidado e uma solenidade quase mágica (ou religiosa) e a qualidade do olhar que os acompanhava.

E no meio de mais uma guerra, tão explicada, mas afinal tão mal justificada, a estranheza dos dias, a estranheza dos nosso quotidianos e a estranheza dos nossos gestos tomou-me de assalto, assim começando a Primavera de 2003. Olhemos então, com olhos de ver, A ESTRANHEZA DOS DIAS como um instrumento de análise para a compreensão de nós no mundo.

6 comentários:

aDesenhar disse...

obrigado pela visita :)
vim conheçer o teu cantinho e encontro um lugar de agradáveis reflexões :)
é correcta a análise que fazes do mundo que nos rodeia :)
concordo contigo :)
voltarei à tua biblioteca :)

:))

Anónimo disse...

Querida TMara
Gosto do template :)
A violência sempre fez parte da vida dos humanos... a nossa civilização é que está a procurar resolver essa questão, mas não deixamos de ser humanos, logo seres que têm medo da diferença, logo que reagem com agressividade.
Só a educação nos poderá levar a outro patamar de relacionamento, mas isso demorará muitos anos ainda.
um beijo
Daniel

mfc disse...

Esta é uma reflexão intrigante.
O tempo...já alguém definiu o tempo? Ele é complexo... sabemos que flui, mas nada sabemos dos seus primórdios nem da sua finitude...
É um enigma.

Dinamene disse...

Pois, é um tempo estranho, de facto: por um lado, temos uns braços que nos levam a outros planetas, por outro, a «densidade de um gesto», como dizes, parece constituir uma excepção e não a norma. Mas talvez seja isso que nos é dado «a ver» e haja muito mais «gestos densos» do que imaginamos, e isso, ESTRANHAMENTE, não é notícia.
Bjo

Sonia Almeida disse...

muito estranhos os dias de hoje... mas suponho que em todas as épocas as pessoas estranhavam os seus dias. faz parte da condição humana.
beijinhos

JPD disse...

Fomos educados a correlacionar tempo e espaço como referenciais superlativos. Por ter sido introduzida velocidade ao nosso quotidiano a noção estável(?) de espaço foi abalada. Abrandar talvez nos garanta pouco; o espaço desponível talvez já não preserve memória... (É aceitável isto?)...Sentimo-nos desconfortáveis,não é!
Bjs