30 novembro 2005
Lembrando F. Pessoa
Desiludam-se os que pensam que este Pessoa, por ter sido feito em bronze, não fala.
Aquando da minha estada em Lisboa,há coisa de uma semana, estive lá, sentada com ele. Chovia.
Estranhou muito que ali me sentasse, debaixo de chuva e até esboçou um sorriso, não percebi bem se de simpatia se de comiseração, mas inclino-me mais para a primeira hipótese dado ter sido tão simpático e comunicativo.
A voz era baixa, sussurrada, ligeiramete rouca, mas ouvia-a com nitidez.
Não vou contar a nossa conversa, mas confesso que me surpreendi quando me perguntou pela Oféliazinha.
Embrulhei-me toda para responder, ciciando, que falecera há muito.
Aí sim, não tive, nem tenho dúvidas, riu-se (até no rir é comedido) e disse-me: «aí é que a minha querida senhora se engana. Vejo-a passar por aqui muitas vezes! Por vezes acena-me e sorri, inclinando levemente a cabeça. Junta os dedos da mão direita e envia-me um beijo, levando, de seguida, a mão ao coração!»
Enquanto assim falava, o cigarro, esquecido entre os dedos, lançava a custo, volutas de fumo contra a chuva que as tornavam ainda mais irreais. Pareceu-me perdido em pensamentos, memórias.... Fiquei calada, aguardando...
« ...Tem um tão belo sorriso a minha Oféliazinha....»
Perdeu-se na contemplação do sorriso recordado e tornado vivo enquanto o silêncio e a noite caíam sobre nós.
Levantei-me, toquei-lhe, ao de leve, no rosto e disse: "voltarei."
Esboçou um tímido e doce sorriso e disse-me: «Sempre que queira. É um prazer. Estarei aqui.»
Comecei a descer a rua. Por várias vezes parei a olhá-lo, mas ele já se abstraíra de mim.
Regressara ao silêncio do bronze,da ausência. Só, no frio da chuva e da noite.
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