20 março 2006

Chamam-me




Chamam-me. As vozes chamam-me insistentemente chamam-me.
Não lhes sei a origem corpórea, não a vejo, mas são audíveis, embora suaves e baixas, quase sussurro.
Chamam-me.
Dizem o meu secreto nome, que só os que muito me amaram conhecem.
Conheciam. Sabiam. Sabem. Pois eles mo deram.
E esse nome, num chamamento, ecoa em tudo ao meu redor e vibra no sangue que me alimenta, percorrendo cada secreto espaço do meu ser.

Partiram. Ambos partiram.
Nem dia do pai, nem dia da mãe.
Presentes.

Mas presentes são, presentes estão nesta minha orfandade que me fere e rejeito pois sei que órfã não sou, não importa o negativo e doloroso sentimento de ausência, de orfandade, décadas, tantas décadas volvidas.

Presentes, sempre presentes no pouco de realmente bom quem em mim existe. Deles me veio. Do seu amor e cuidar. Do leite com que me alimentaram, da água que me deram a beber, da mão que me estenderam, que sempre ali esteve, está e estará, dos olhares e ternura (disfarçada) e do orgulho entremeado de dores que o meu crescer contra eles (acabamos sempre por crescer contra eles. É da natureza do crescimento, da independência e autonomização do ser humano) lhes causou.

Chamam-me e ouço-lhes, as serenas e brandas vozes murmurando o meu secreto nome numa carícia que sempre me envolve, sabendo que estão perto, embora os meus olhos físicos os não vejam.

Obrigada a ambos, meus pais.

9 comentários:

Bird disse...

Agradeço-te a visita.

E fico comovida com o amor que tens pelos Pais sempre presentes. Para ti e para eles o meu sentido abraço.
e...
gosto muito de te ler... dos sentidos que tens, das palavras que usas
:)

Raquel Vasconcelos disse...

Só tenho pena de não te poder ouvir declamá-lo... Muito bonito...
Beijo...

Anónimo disse...

Como já sabes perdi o meu pai que tanto amava há 37 anos, com a minha mãe ainda viva, tenho uma relação impossível tais são as diferenças e interesses e sentires que temos, mas de ambos damos continuidade, pois guardamos sempre algo deles em nós em semelhanças. Quero chegar ao ponto de te dizer que é isso que ressalta do teu belo poema, o sentido da continuidade em cadeia que vamos passando de pais para filhos, no melhor e no pior que herdamos.
Beijinhos
Teresa David

isabel mendes ferreira disse...

____________como tu_________sem eles___________e sem a capacidade de dizer. assim.....

beijo-te. obrigado. amo-te.

O Micróbio II disse...

Bela homenagem!

Rosmaninho disse...

A ti, muito obrigada.

As tuas palavras chamam-me e eu... ouço-as.

~*Um beijo*~

luis manuel disse...

Foi escrito:
"Desdobrando a curva do tempo, esbarro-me nas arestas da vida"

Existem de facto formas menos arredondadas na vida. Ângulos rectos e outros que nos levam de 180 a 360. Serão trambolhões acusados por ondas criadas por nós próprios ?
Sem dúvida que não se pode ignorar a responsabilidade que cada um tem no ciclo e no curso da própria vida.
Mas como é importante e admirável, após um tropeção podermos erguer-nos.
Por vezes até, nas ondas que são "amigas" e nos embalam á superfície.

Um abraço de Luz
(este comentário, não sei por que razão desapareceu no dia 17)

São sinais…
A presença não física, mas imensamente viva.
Base de uma riqueza imortal, como é o amor.

Um abraço de Luz

LUIS MILHANO (Lumife) disse...

Sentida homenagem a quem tanto merece. O condão que certas pessoas têm de saber passar a mensagem.

Beijos

graziela disse...

uma homenagem muito comovente e muito lúcida.
um abraço
graziela