14 fevereiro 2006

O MURO DE SILÊNCIO



Um muro de silêncio caiu sobre o mundo.
Um silêncio espesso. Quase coisa física, palpável.

Os carros passavam mas nada se ouvia. As pessoas mergulharam numa ausência de som, nunca antes experimentada, que as assustou.
Depois do susto veio o pânico. Depois, o terror.

Os transeuntes, apressados para os seus destinos, começaram a parar, a interpelar-se uns aos outros.
E cada um, ao olhar o outro, ao ver a boca a abrir e fechar, articulando inaudíveis sons, quer para quem os emitia, quer para o destinatário, mostrou no olhar um terror tão profundo enquanto, dentro de si ouviu um grito avassalador que a alma emitiu.
Um som do mais absoluto terror.

Os motoristas deixaram de ouvir os ruídos dos motores e das ruas, mas não se aperceberam de imediato.

O que primeiro lhes chamou a atenção foi o silêncio dos rádios ou dos leitores de CD’s ligados.

Tentaram, em vão, sintonizar a estação ou por os leitores, de novo, a funcionar. Por minutos esta actividade abstraiu-os do silêncio esmagador, opressivo, que caíra, como algo físico, que se esmagara sobre o planeta e seus habitantes.
A percepção seguinte, para a maioria, foi a ausência dos ruídos próprios do veículo em movimento.
Pensaram que o carro avariara mas tiveram a percepção lateral de deslocação dos prédios...a confusão instalou-se, com a mão tocaram os ouvidos, alguns meteram um dedo e chacoalharam, como se faz por vezes para rebentar bolhas de água.
De tentativa falhada, de explicação em explicação, tomaram finalmente consciência de que algo muito estranho ocorria.

Abriram as janelas dos carros climatizados, olharam ao redor, viram os peões em grupos, as bocas abertas, escancaradas como que emitindo gritos, gesticulando violentamente e a consciência daquele silêncio atingiu-os então, esmagando-os.
O medo tomou conta deles e os carros começaram a chocar uns contra os outros, nada se ouvindo.
Nem o ranger das chapas, nem os gritos se susto ou de dor...nada se ouvia.

Nas ruas os transeuntes continuavam alheados dos sucessivos acidentes até que, na aflição de fugirem ao choque carros começaram a galgar os passeios atropelando grupos de pessoas em desespero.

De todas as bocas saíam gritos de terror. De um terror nunca antes sentido pelo homem. Nem nos seus primórdios sobre a terra em que esta lhe era totalmente hostil, frágil, desprotegido, ignorante ser que ele era, sem compreensão dos fenómenos naturais mais elementares como a sucessão dos dias e das noites.

Nunca antes qualquer ser humano sentira um terror assim.

E o terror cresceu dentro de cada um, a um tal ponto que a própria alma, aprisionada no corpo, rompeu as barreiras da matéria, das leis da física e da própria vida, gritou.
Gritou um grito de terror inexplicável, intraduzível.
E então, na terra antes esmagada por este silêncio absoluto e total, denso e opressivo, surgiu um grito, um grito único, somatório dos gritos de cada alma e a vibração do grito atingiu um tal nível que o núcleo, o coração do planeta, estalou, estilhaçou-se como vidro enquanto uma vibração imensa o percorreu fragmentando-o em pequenas partículas projectadas para o espaço onde se perderam com tudo o que continham.

Onde antes existira o planeta Terra só um negrume ficou onde, por séculos e séculos, persistiu o eco do único grito.
Total e final som da humanidade.


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