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Para mim eram, todos eles, uma família. Não aquela de sangue, de que me despedi lavada em lágrimas há muitas décadas, no adro da igreja, ao entrar para o carro que me fora buscar à aldeia, mas uma outra de coração e escolha.
Quando fiz sessenta e cinco anos o meu sobrinho veio visitar-me com a mulher e filhos e convidar-me para viver com eles, pois tinham uma boa situação, uma grande moradia, e um quarto com quarto de banho, só para mim. Ambos eram e são professores. É outro o viver agora! Felizmente bem diferente daquele de quando eu era menina.
Olhei para a menina, ainda esperando um sinal de cansaço, como que a dizer, vai, podes ir. Sorriu e disse: “Não me olhes assim Adelaide. Esta casa é tua enquanto o quiseres. Foste e és uma irmã. És livre de seguir o teu caminho, como sempre. Compreendo que são da tua família, mas também o és da nossa. Cabe-te a decisão.”
Não hesitei. Agradeci-lhes a gentileza, disse-lhes que os visitaria, o que fiz várias vezes, algumas levando a menina comigo, mas que ficava.
Ficámos.
Desde que as crianças deixaram o ninho, voando para o estrangeiro, a menina decidiu deixar de ter empregada interna e contratou uma mulher-a-dias, como se dizia, uma empregada externa diária, dado a casa ser grande. Com o decorrer dos anos achámos que podíamos reduzir e passou a ser a meio tempo. Vinha todas as tardes e, entre nós e ela, toda a casa estava um brinquinho como gostávamos.
Volta que não volta o senhor engenheiro visita-nos com a nova mulher e os filhos desta. Os dias ficam frenéticos de tanta agitação de que nos vamos desabituando dia a dia nestas nossas rotinas de duas velhas senhoras sós. Vejam só como já falo de mim dizendo: “velha senhora....”
Menina está no jardim. Eu ocupo-me, finjo que me ocupo, na cozinha, com intermináveis tarefas que ambas sabemos prontas....
Desde sempre a menina tinha o hábito de passear sozinha ao fim do dia. A seguir ao jantar ou antes conforme a estação do ano.
Eram os únicos momentos do dia em que não requeriam que a acompanhasse e em que demonstrava e disse-mo claramente, desejar estar a sós com os seus pensamentos, na do calma entardecer.
Mesmo no período de namoro sempre manteve este tempo só para ela.
Respeito-lhe este período como antigamente apesar de, por mais de uma vez, me ter dito não ser necessário.
Adelaide anda na cozinha de um lado para o outro. Mexe na louça já separada para por a mesa... Deliberadamente faz barulhos para que saiba que está ocupada. É uma ternura de pessoa. Sempre atenta e cuidadosa para comigo quando o inverso é mais correcto dado ser mais velha.
Cuidamo-nos mutuamente e não temos razões de queixa.
12 comentários:
Já que não vejo novelas na tv pq não me puxam mesmo nada, aproveito a tua episodica edição desta história, para ter um folhetim para ir seguindo com prazer.
Bonito texto e muito "ternurento".
um abraço
graziela
As Adelaides são do melhor que há:))
Sei do que falo:))
Obrigado pela visita, s história vai linda, continua...
encantador, como muitas senhoras velhas, eu tb tive uma adelaide.
vou apanhar o inicio da historia.
Emociono-me muito com txtos de "velhas senhoras" porque passei grande parte da minha (curta) vida com uma. Beijos, querida amiga.
Será que a Adelaide também finge?
O que eu gostaria de contar histórias assim! mas falta-me a arte e o engenho.
Só me saem estórias desgraçadas...
Olá TMara,
Que linda história de Vida!
Beijinhos e bom dia
Olá
que bem que contas uma história.. grande escritora sim senhora.. Bjhs
Olá Tmara
Momentos "únicos" que fazem parte da tua história - que tão bem contada está!
Obrigada pela partilha.
Beijinhos
Amizade e respeito mútuo que se consolida no tempo. E como tu contas bem, prendendo-nos à narrativa!
Beijinhos, amiga
Excelente partilha! :)
Deixo-te um beijo, saudoso *
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