08 fevereiro 2006

O despertar do sonho

Acordou de um sono longo.
Acordou do sonho.
Levantou-se.
Maquinalmente , tratou da higiene.
Pegou num livro. Sentou-se.
Sentia frio. Todo o corpo lhe doía, enregelado.
Vestiu agasalho sobre agasalho, mas o frio, o gelo corriam-lhe o corpo, a carne.
O sangue parecia ter congelado nas veias e não lhe aportar qualquer calor.
Despertara do sonho e, ao despertar, todas as dores que tivera, sentira, vivera ao longo da vida a assolaram.
O frio e a dor eram insuportáveis.
O livro, amada leitura que sempre a ajudara, de nada valia. As palavras esvaziavam-se. Tudo era confusão, dor física e uma dor interna visceral, com profundidade tal que nem sabia onde as raízes assentavam.
Levantou-se, imenso embrulho de roupas, gelado.
Percorreu a casa buscando o sol.
Acomodou-se enrolada, tentando captar e guardar o calor do astro, mas não havia calor ao seu redor.
O ar picava-lhe a pouca pele exposta como agulhas de gelo, as extremidades do corpo doíam de tão geladas e pareciam queimar mas era só dor.
Fechou os olhos tentando sentir o calor, procurando indícios de aquecimento do corpo. Lendo o corpo.
Gelado. Gelada continuava.
O sonho acabara.
Tantos sonhos. Tantas desilusões incomensuráveis. Tanta dor acumulada que o sonho soltara. Que se haviam soltado no sonho inundando-a.
Ou seria ainda o sonho dado que aquele frio era incomum e insuportável?
O gato ronronou e saltou-lhe para o colo.
Começou a afofar-lho, mas eriçou-se.
Sentira o frio, um frio gélido percorrê-lo.
De salto fugiu para o chão, para o sol, e ficou a olhá-la de uma forma que lhe pareceu interrogativa.
Soube, em definitivo, que não dormia, não sonhava. O sonho acabara e finalmente ela acordara. E como era doloroso este acordar glacial que lhe tomara conta da carne, do sangue, de todo o corpo...
Acomodou-se, enrolou-se mais e mais na roupa, nas mantas que trouxera, e deixou-se ficar ao sol. Fechou os olhos mas não adormeceu.
Tentou focar o sol como fonte de calor para se energizar.
O sol rodou no céu, a noite caiu e na sua vigília em busca do calor a mulher continuou indiferente à queda da temperatura. O corpo mais frio do que o ar.
Não se apercebeu do rodar dos astros.
Continuou a imaginar, a visualizar um sol que lhe retirasse o frio, que lhe aliviasse as dores.
Os olhos fechados buscavam essa fonte de calor.
A terra rodou no seu eixo por incontáveis noites e dias e a mulher não se mexeu aguardando o aquecimento, o bem-estar do calor no corpo sempre gélido, dorido, doído.
Para ela o tempo parou. Só o frio e a dor persistiam.
Era um novelo de dor e frio, embrulhada em roupa, roupa e mais roupa.
Uma trouxa de roupa esquecida de tudo.
O sonho acabara e com ele fora-se o calor da vida.
A mulher nunca soube que os anos haviam passado. Continuou sentada, fechados os olhos numa vigília de meditação, em busca da fonte do humano calor.
Entretanto o corpo enregelado, foi gelando, estalando, quebrando-se sem que disso dese conta.
A mulher nunca o soube mas sobre ela um anjo louco, de gelo, voltejava incansável. Imparável. Posted by Picasa

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