10 agosto 2007

3 poemas de Mário Cesariny

Passou ontem por isso só hoje publico.
O dia depois da dor é já dia de renascimento.
Três poemas de Cesariny:

Faz-me o favor...
*
Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.
*
É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és nao vem à flor
Das caras e dos dias.
*
Tu és melhor -- muito melhor!
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.
****
Em todas as ruas te encontro
*
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
*
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
*****
*
voz numa pedra
*
*
Não adoro o passado
não sou três vezes mestre
não combinei nada com as furnas
não é para isso que eu cá ando
decerto vi Osíris porém chamava-se ele nessa altura Luiz
decerto fui com Isis mas disse-lhe eu que me chamava João
nenhuma nenhuma palavra está completa
nem mesmo em alemão que as tem tão grandes
assim também eu nunca te direi o que sei
a não ser pelo arco em flecha negro e azul do vento
***
Não digo como o outro: sei que não sei nada
sei muito bem que soube sempre umas coisas
que isso pesa
que lanço os turbilhões e vejo o arco íris
acreditando ser ele o agente supremo
do coração do mundo
vaso de liberdade expurgada do menstruo
rosa viva diante dos nossos olhos
Ainda longe longe essa cidade futura
onde «a poesia não mais ritmará a acção
porque caminhará adiante dela»
Os pregadores de morte vão acabar?
Os segadores do amor vão acabar?
A tortura dos olhos vai acabar?
Passa-me então aquele canivete
porque há imenso que começar a podar
passa não me olhas como se olha um bruxo
detentor do milagre da verdade
a machadada e o propósito de não sacrificar-se não construirão ao sol coisa
nenhuma
nada está escrito afinal

**
Mário Cesariny

7 comentários:

Unknown disse...

Muito boas, sobretudo Em todas as ruas te encontro.

eu disse...

Conheço mal M. Cesariny. Vou de férias e o que levo para ler não é dele.


D. Galinha

Anónimo disse...

Conhe�o e gosto bastante da poesia de Cesariny bem como apreciei os momentos de conversa que com ele tive ao longo da vida. Era algu�m que me intimidava pelo seu olhar um pouco acutilante, mas que tive o prazer de devorar as palavras em noites de bebida, muitos cigarros e conversa.

bettips disse...

Magro e usado me lembro dele. Como um chicote. E todavia tão terno... Gostei de o rever por ti. Bjinho

Sei que existes disse...

Lindos poemas!
Beijinhos

Mikas disse...

Um beijo querida, cheio de poemas sussurrados

Anónimo disse...

Além de poeta, Cesariny também foi romancista, ensaísta e dramaturgo, e também dedicou-se às artes plásticas, sobretudo à pintura.

Escolheste 3 dos seus mais significativos poemas. Belos e marcantes!

Estou te trazendo pétalas de coloridas rosas para enfeitar as horas de teu domingo, e também um beijo no teu coração para dizer que te desejo uma semana de muitas e variadas alegrias.