13 agosto 2007

1 dia depois do centenário do nascimento de Miguel Torga

da portugalidade no mundo Largada


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Foram então as ânsias e os pinhais

Transformados em frágeis caravelas

Que partiam guiadas por sinais

Duma agulha inquieta como elas...

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Foram então abraços repetidos

À Pátria-Mãe-Viúva que ficava

Na areia fria aos gritos e aos gemidos

Pela morte dos filhos que beijava.

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Foram então as velas enfunadas

Por um sopro viril de reacção

Às palavras cansadas

Que se ouviam no cais dessa ilusão.

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Foram então as horas no convés

Do grande sonho que mandava ser

Cada homem tão firme nos seus pés

Que a nau tremesse sem ninguém tremer.
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Aos Poetas

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Somos nós

As humanas cigarras!

Nós,

Desde os tempos de Esopo conhecidos.

Nós,

Preguiçosos insectos perseguidos.

Somos nós os ridículos comparsas

Da fábula burguesa da formiga-

Nós, a tribo faminta de ciganos

Que se abriga

Ao luar.

Nós, que nunca passamos

A passar!...

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Somos nós, e só nós podemos ter

Asas sonoras,

Asas que em certas horas

Palpitam,

Asas que morrem, mas que ressuscitam

Da sepultura!

E que da planura

Da seara

Erguem a um campo de maior altura

A mão que só altura semeara.

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Por isso a vós, Poetas, eu levanto

A taça fraternal deste meu canto,

E bebo em vossa honra o doce vinho

Da amizade e da paz!

Vinho que não é meu,

mas sim do mosto que a beleza traz!

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E vos digo e conjuro que canteis!

Que sejais menestréis

De uma gesta de amor universal!

Duma epopeia que não tenha reis,

Mas homens de tamanho natural!

Homens de toda a terra sem fronteiras!

De todos os feitios e maneiras,

Da cor que o sol lhes deu à flor da pele!

Crias de Adão e Eva verdadeiras!

Homens da torre de Babel!

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Homens do dia a dia

Que levantem paredes de ilusão!

Homens de pés no chão,

Que se calcem de sonho e de poesia

Pela graça infantil da vossa mão!

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Brasil

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Brasil

onde vivi,

Brasil onde penei,

Brasil dos meus assombros de menino:

Há quanto tempo já que te deixei,

Cais do lado de lá do meu destino!

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Que milhas de angústia no mar da saudade!

Que salgado pranto no convés da ausência!

Chegar.

Perder-te mais.

Outra orfandade,

Agora sem o amparo da inocência.

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Dois pólos de atracção no pensamento!
Duas ânsias opostas nos sentidos!

Um purgatório em que o sofrimento

Nunca avista um dos céus apetecidos.

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Ah, desterro do rosto em cada face,

Tristeza dum regaço repartido!

Antes o desespero naufragasse

Ente o chão encontrado e o chão perdido.

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Claridade

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Clareou.

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Vieram pombas e sol,

E de mistura com o sonho

Posou tudo num telhado...

Eu destas grades a ver

Desconfiado

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Depois

Uma rapariga loura

(era loura)

num mirante

estendeu roupa num cordel:

roupa branca, remendada

que se via

que era de gente lavada,

e só por isso aquecia...

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E não foi preciso mais:

Logo a alma

Clareou por sua vez.

Logo o coração parado

Bateu a grande pancada

Da vida com sol e pombas

E roupa branca, lavada.

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Miguel Torga/
(1907 -1995)

1 comentário:

Francisco Sobreira disse...

Minha amiga,
Bela e oportuna homenagem prestas a um dos expoentes da literatura portuguesa. E gostei, principalmente, porque só conheço poemas esparsos de Torga. Conheço-o como contista, de quem tenho 2 livros que já li e reli e voltarei a ler. Um beijo.