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Foram então as ânsias e os pinhais
Transformados em frágeis caravelas
Que partiam guiadas por sinais
Duma agulha inquieta como elas...
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Foram então abraços repetidos
À Pátria-Mãe-Viúva que ficava
Na areia fria aos gritos e aos gemidos
Pela morte dos filhos que beijava.
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Foram então as velas enfunadas
Por um sopro viril de reacção
Às palavras cansadas
Que se ouviam no cais dessa ilusão.
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Foram então as horas no convés
Do grande sonho que mandava ser
Cada homem tão firme nos seus pés
Que a nau tremesse sem ninguém tremer.
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Aos Poetas
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Somos nós
As humanas cigarras!
Nós,
Desde os tempos de Esopo conhecidos.
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga-
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos
A passar!...
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Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras,
Asas que em certas horas
Palpitam,
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura!
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.
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Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz!
Vinho que não é meu,
mas sim do mosto que a beleza traz!
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E vos digo e conjuro que canteis!
Que sejais menestréis
De uma gesta de amor universal!
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural!
Homens de toda a terra sem fronteiras!
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele!
Crias de Adão e Eva verdadeiras!
Homens da torre de Babel!
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Homens do dia a dia
Que levantem paredes de ilusão!
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão!
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Brasil
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Brasil
onde vivi,
Brasil onde penei,
Brasil dos meus assombros de menino:
Há quanto tempo já que te deixei,
Cais do lado de lá do meu destino!
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Que milhas de angústia no mar da saudade!
Que salgado pranto no convés da ausência!
Chegar.
Perder-te mais.
Outra orfandade,
Agora sem o amparo da inocência.
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Dois pólos de atracção no pensamento!
Duas ânsias opostas nos sentidos!
Um purgatório em que o sofrimento
Nunca avista um dos céus apetecidos.
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Ah, desterro do rosto em cada face,
Tristeza dum regaço repartido!
Antes o desespero naufragasse
Ente o chão encontrado e o chão perdido.
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Claridade
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Clareou.
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Vieram pombas e sol,
E de mistura com o sonho
Posou tudo num telhado...
Eu destas grades a ver
Desconfiado
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Depois
Uma rapariga loura
(era loura)
num mirante
estendeu roupa num cordel:
roupa branca, remendada
que se via
que era de gente lavada,
e só por isso aquecia...
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E não foi preciso mais:
Logo a alma
Clareou por sua vez.
Logo o coração parado
Bateu a grande pancada
Da vida com sol e pombas
E roupa branca, lavada.
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Miguel Torga/
(1907 -1995)
1 comentário:
Minha amiga,
Bela e oportuna homenagem prestas a um dos expoentes da literatura portuguesa. E gostei, principalmente, porque só conheço poemas esparsos de Torga. Conheço-o como contista, de quem tenho 2 livros que já li e reli e voltarei a ler. Um beijo.
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