Ontem, estava eu a pensar com os meus botões (mentais) que devia sair a aproveitar o sol que tem andado tão errático, quando a campaínha tocou, suave.
Um quase não toque, de tão suave e tímido que foi o sonido provocado.
Fiquei na dúvida. Se campaínha sim ou não...Na dúvida resolvi atender.
A vossa imaginação não ia lá.
Da mesma forma tudo em mim gritava: erro, engano!
Os sentidos ludibriam-te e a razão também...
Aí, o chapéu já estava na mão de dedos finos e ele falou: "Bom dia! Creio que me conhece..., Alberto Caeiro. Um seu criado."
Concluí: durmo e sonho.
Pois sonhemos os dois.
E, palavra dele palavra minha, depois de o convidar a entrar disse-me: «Vim convidá-la para sair e apanhar sol. Sei que o quer fazer e acaba sempre protelando....Não me negará tal privilégio
(PRI-VI-LÉ-GI-O????
Céus. Inchei como um sapo. Fernando Pessoa/Alberto Caeiro, na minha sala, a convidar-me para irmos apanhar sol e conversar).
Sei que gosta de ar lvre,.... de esplanadas...
Já me informei e está tudo acertado. Vamos?»
E dizendo isto ofereceu-me o braço.
Aceitei-o e saímos. Calmo ele, excitadíssima eu.
E assim, há dois dias que temos andado na companhia um do outro, ainda que não entenda que graça pode ele achar na minha...
Porque afinal não sonhava. Estava mesmo acordada.
E no meio destas horas e de muita divaçação minha que ele escutou atenta e polidamente, sem mostrar tédio, mostrei-lhe uma adaptação livre que fizera num poema dele (receosa - mas achou piada. riu-se. Um riso - como direi? - casquinado, contido mas genuíno...? e terminou com uma palavra suavemente murmurada: "criança" - quase não dita. Como se um pensamento se lhe houvesse escapado e eu o captasse.
Sinceramete, como compreenderão, este encontro e convívio deixou-me fora de mim e a razão e inspiração, que já de si fracas, andam agora baralhadas com a emoção.
Deixo-vos com o original dele (vejam só! Até já digo: "dele".
Assim. Como se tivéssemos sido colegas de escola...
Ai, ai, receio estar a perder o tino..)
«Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada..»
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.(...)»
E agora o meu acrescento que lhe li:
Eu não tinha que ter, ou ser, ambição, competências
Específicas, diferenciadas. Nem saberes sempre
Actualizados. Nem competição e desumana
E desenfreada concorrência.
retorno a Alberto Caeiro....
«Eu não tinha que ter esperanças - tinha só que ter rodas...
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.»
Alberto Caeiro
12 comentários:
Parabéns. È preciso ter mesmo muita sorte (leia-se imaginação) para Alberto Caeiro no bater à porta.
Está magnífico.
a tua inesgotável e original imaginação....
sempre.
a delícia.
sempre a Doçura.
beijos.
Querida Amiga,
Não é pra qualquer pessoa ter a dádiva de receber a visita de Pessoa/Caeiro e caminhar com ele por muito tempo. És, como já te disse, uma pessoa iluninada. E ao ler a postagem, me lembrei do livro de Saramago "O Ano da Morte de Ricardo Reis", de que gosto muito. Conceição e Fernando. Fernando e Conceição. Que belo par! Um beijo.
Quando forem ver o mar, e sentirem um forte cheiro a maresia, lembrem-se de mim...estarei sempre por lá!...eu sou Mar...Margusta...
Abraço-Vos com emoção!!!...
Este é o que chamarei de um post feliz, pela imaginação e admirável companhia que poderemos todos sempre ter, faça chuva ou faça sol, em qualquer sítio mais ou menos público.
Muito bonito mesmo. Gostei.
Bjs
TD
Adorei! Parabéns!
Que felicidade essa de poder conviver, nem que apenas por momentos, nem que apenas em sonhos, com o Fernando Pessoa literário (já o Pessoa "pessoa", ao que parece, não era assim tão interessante....
Passei para ver as novidades... Desculpa-me o facto de não te comentar como devia. Abate-se sobre o corpo e a alma o cansaço esta semana .A falta de tempo também nao ajuda, no entanto tento sempre visitar os amigos da blogosfera que me acarinham e visitam. Beijinhos
Querida Tmara
Percebo... mas fomos nós, seres humanos do planeta Terra, que fizemos isto tudo.
Um beijo
Daniel
Mesmo muito interessante e engraçado!
Beijocas
Divagando com a magia que as palavras e a imaginação permitem...
Pessoa na tua sala, a sós com a poesia, no sonho acordado que dá asas à inspiração, uma graça, um devaneio, uma partilha de versos vividos...
Se há uma palavra que defina esta prosa, ela coloca-se acima do que é sublime.
Extraordinário.
Bj
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