18 janeiro 2006

As velhas senhoras (parte III)


Sempre precisara e apreciara momentos de solidão consigo mesma, mas agora, sós as duas na casa, tinha-os de sobra e não precisava daqueles do entardecer para si.
Adelaide, extremosa, cuidava de a não incomodar a não ser com estes cuidados, mais de mãe do que de companheira de vida, sempre preocupada com as friagens.

Há sessenta e seis anos que esta é a minha casa. E esta a minha gente.
Somos só as duas, agora. O senhor doutor morreu jovem, com 54 anos.
A menina ficou numa tristeza que só vista. Valia-lhe o ânimo que a filha lhe trazia e a alegria dos netos, a encherem a casa de risos e contagiantes gargalhadas.
Mas foi um tempo triste. Nove anos depois da morte do senhor doutor morreu a nossa bebé (sempre assim a designei, à filha da menina). Cuidei que a menina se finava de desgosto.
Lentamente lá foi arribando, retomando o gosto pela vida, mas parece que se ficou com um gosto a meia haste. Nunca mais foi a mesma.
As crianças ficaram a viver connosco. O senhor engenheiro andava sempre em viagem de negócios pelo estrangeiro, nunca poderia assumir a educação dos filhos, para mais na fase da adolescência. E que fase...Sempre foram umas lindas e belas crianças, educadas, de bom coração, mas voluntariosos como só eles. Valeu a paciência laboriosa e por vezes astuta da minha menina, para evitar atritos. Se fosse com o pai o caldo tinha-se entornado. Chocavam faziam chispa que só visto. O senhor engenheiro sempre foi um homem muito racional em que os sentimentos, ou as emoções, não sei bem destrinçar uma coisa da outra, eram dominados por uma lógica matemática como a menina tantas vezes disse. Muitas vezes rematava as conversas com o genro dizendo-lhe: “Álvaro, um e um nem sempre são dois!”

Ao princípio tal comentário, em tom de remate, baralhava-me. Até que um dia, lendo ambas no remanso do jardim, ganhei coragem para lhe perguntar como era possível que um mais um não fossem sempre dois....A menina deu uma saborosa gargalhada e explicou-me.


(continua)

EM TEMPO: parabéns ao AMARAL
que faz hoje anos, 19 de Janeiro. Passem por lá, não esqueçam.
Se não conheces o blog passa na mesma. O mais certo é gostares (muito).

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